Astérix, l Goulés, assim mesmo!

O mirandês é uma graça. E um orgulho. E faz sentido. Cada vez mais, neste país de coluna dorsal amolecida…

A ASA teve uma bela iniciativa ao lançar o Astérix em mirandês, com tradução a cargo de Amadeu Ferreira. Mas logo veio o entremês fatela, fatal, fantástico:

– onde foi o lançamento? – Em Lisboa, onde ninguém prescinde que a própria se constitua como a estrebaria-mor do reino.

– em que sítio? Pues, en el Corte Inglés, por supuesto, de nuestros hermanitos, los que son dañados por la brincadeyra e nosotros, elementares pategos, até a alma vendemos pelo prato de lentilhas. (Não, não é inveja. Só lhes invejo a arte de saberem gerir o óbvio e nós, nem isso…).

Em Miranda, o orgulho inicial nascido pela notícia da publicação pareceu-me deslizar para algum ranger de dentes – como sabereis, eu andava por lá e ouvi algumas bocas… – e quando o livro ali chegar, não passará de (mais) uma triste prova de que o isolamento ainda pesa como fraguedo de granito e corre o risco, por isso, de deixar de ser motivo para alimentar fundados orgulhos, para se transformar em mais um “corpo estranho” oriundo da palhaçada egocentrista da capital da ópera-bufa.

O mirandês – que soube sobreviver séculos a fio a esse isolamento e às demais vicissitudes provocadas por aqueles que têm do país a visão limitada por um gabinete de presuntivo poder acolchoado a prebendas e mordomias – soube afinal guindar-se, por mão própria, a segunda língua oficial de Portugal.

Por favores, dizeis-me? Não vos armeis em alarvemente álacres ou simploriamente simplistas, senhores, por favor e caridade. Por muito favorecimento político que houvesse no acto solene, o certo é que, a sustentar a justeza da situação, estão centenas de anos de teimosa resistência e afirmação da diferença.

Voltando ao Astérix: por terras de Miranda do Douro – que a ignorância infeliz, anacrónica e estúpida de um “jornalista” resolveu, no Público, “desviar” para Miranda do Corvo… – ninguém o viu. Chegaram, apenas e até à data, uma fotocópias a preto e branco, fazendo parecer que os cultores da língua que justifica a publicação mais não serão que algum mal necessário!

Porca miséria!

E logo em El Corte Inglês!… Mutatis mutandis e se me permitirem algum nacionalismo quiçá bacoco, a bacorada é tão imensa quanto o celebrar, por exemplo, o centenário da história da resistente aldeia gaulesa… em Roma!

Mas será que, de facto, andamos todos a dormir?