Fui a banhos e voltei. E como a imodéstia me segredou, verifico que, na minha ausência e apesar dela, nada mudou.

Portugal arde, manso e quedo, como em anos anteriores. No mundo, o petróleo não cessa de subir. Em Gaza, os israelitas encenam uma retirada da treta. Pelo Iraque, os soldados americanos olham para os atentados como nós para os incêndios, com a agravante de que aquilo nem é deles. Jorge Sampaio interrompe férias para condecorar os U2, discursando em inglês, como bom português que é. Bono, de chapéu na cabeça e mãos nos bolsos, nem precisa de agradecer. Entretanto, caem alguns aviões. E os chineses continuam a abrir estabelecimentos na sua perturbadora e preocupante sociedade de formigas – já alguém viu algum chinês, cá pelo burgo, passeando a família e o lazer num centro comercial, na praia ou nalgum cinema?… Não, pois não? É, também tenho essa ideia…

Pela ordem natural das coisas, já em Agosto, nasceram mais seres humanos do que aqueles que morreram. Sendo o nascimento tão crucial quanto a morte, seria natural esperar que as cadeias noticiosas divulgassem o acontecimento… mas, nada! Na informação, só morre gente.

Como o estado está de tanga – ainda que apenas para algumas coisas – cada vez mais o combate aos incêndios é entregue nas mãos de interesses privados, enquanto os nossos militares, por exemplo, coçam as micoses nos quartéis, contando a densidade de moscas por sala e estudando uns raides humanitários ao Médio Oriente que, apesar dos eventuais riscos, sempre compõem o orçamento familiar. Haja low profile (o que, como toda a gente sabe, quer dizer baixo perfil).

Claro que amanhã, se não houver incêndios, o que farão aqueles interesses privados para assegurarem a sua subsistência? Atearão novos fogos, claro, que esta vida são dois dias. Pelo caminho, talvez invistam em campanhas autárquicas “independentes”, sabe-se lá, que ele há fogos e fogos…

O IKEA – passe a publicidade – quando abre, no nosso país, pratica os preços mais altos da Europa; a nossa gasolina, tal como a electricidade, pela ganância desmedida mas estúpida e sem visão dos nossos governantes, é a mais cara da Europa; os medicamentos vendidos cá, mesmo apesar da legislação que o contraria, são os mais caros da Europa… Numa simples expressão: tudo goza com a cara do portuga.

Portugal teve as campanhas do trigo, do pinheiro, do eucalipto, de Sines, do Alqueva, quase sempre suportadas por engenhosos argumentos, carregados de falácias, em prol da alegada “riqueza nacional”. Meia dúzia encheram-se, à grande e à francesa, com tais campanhas… E agora? Não temos trigo e os solos estão semi-perdidos e desertificados, a nossa maior produção nacional é madeira ardida, o mais profundo porto marítimo do mundo e arredores está a banhos, o Alqueva nem rega nem produz energia…

Mas temos estádios de futebol como o caraças e campos de golfe a perder de vista, com relvados que consomem a água que falta nas aldeias e nas cidades; um Sol lindo e desperdiçado; umas excelentemente poluídas praias, submersas por urbanizações; teremos o TGV e a OTA e os casinos do ti Belmiro em Tróia; pelo Bairro Alto, em Lisboa, em vez de cultura, promoveremos os condomínios fechados… e, aparentemente, temos também uma incomensurável falta de vergonha na cara e um futuro brilhante e irremediavelmente hipotecado à nossa frente.

FINAL 1 – Assim como assim, à falta de novidades e já que é para termos mais do mesmo, estou seriamente a considerar voltar para os banhos…

FINAL 2 – Vamos à luta, companheiros, que estamos a deixar um país de merda aos nossos filhos!

Nota final – Ainda temos Sócrates ou também emigrou? É que não há quem o veja e quase nem se dá pela ausência… E como o país arde, com ou sem governantes activos, sem eles sempre a coisa sairia mais barata ao erário público. Pelo andar da carruagem, ainda vamos criar o primeiro estado anarca do mundo.