Anda daí meu amigo
Vamos
Vem daí comigo
Belo o tempo e fresca a noite e o arraial que apetece
Entre cerveja e moelas e o brinde da quermesse
Que sai sempre e acontece no estralejar do foguete
Com as donzelas mais belas do bairro porque anoitece
Ali bem junto ao terreiro
E vês o padre
O engenheiro
A velha Maria tia daquele senhor presidente
Da Junta de Freguesia
Arroz doce que arrefece junto ao Joaquim que não esquece
A frescura da Maria
Que num dia de frescura dançou um tango com ele
Quase até junto à loucura
Mas fugiu na noite escura cheia de medo
Parece
Porque ouviu a sua prece junto ao ouvido em rosário
Que ao seu corpo lhe apetece o que à vizinhança enfada
E agora nem valeu nada ter feito tudo ao contrário
Do que a vida lhe pedia
Coitada e triste Maria
Nessa vida de fadário que dia a dia envelhece

Grita no palco o cantor ais de amar e ais de dor
E ais de todas as cores
E ele há até doutores que no arraial são senhores
De dar pezinho de dança
Qu’inda a noite é uma criança e quem não gosta de amores?

Sai dose de caracóis e a sardinha da abastança
Com sangria em contradança e muito alho no prego
Pago p’ra ver as velhotas
Senhoras do merceeiro
Que juntas vão ao terreiro dar sua graça na dança
Ventre com ventre que a pança
Do Zé do talho já cansa de se erguer nas pernas tortas

E lá voam mais foguetes
Enquanto a Amélia pedia dois bilhetes na quermesse
Que sai sempre e acontece rifar o lenço de seda
– P’lo menos daqui parece…
O tanto que lhe apetece ter a seda junto ao seio
Que no decote aparece
E que o António num anseio lhe comprou na doce crença
De se juntar nesse enleio de seda feito e de esperança
Roda a roleta e acorda
Do namoro que promete a ilusão que dormia
Saiu tapete de corda
Porque a sorte deu no sete
E a seda o oito pedia

Só por um valeu a pena
Pois sorte que por um perde
Não é má sorte é promessa de que essa roda da sorte
Pode ser bem que aconteça
Noutra volta dar o verde naquela esperança de seda

Senhor João não demore
A trazer essas bifanas
Bem passadas nas passadas que o João lá faz no trote
Das passadas amputadas que lhe calharam em sorte
Toc-toc no sobrado
Levou-lhe a vida um bocado
Diz ele em duas risadas a escarnecer da morte

E no terreiro o enredo noutro pezinho de dança
Um que dança contra o medo
Um velho a fingir criança
Um novo que a vida alcança com a extensão do braço
Apertando contra o peito o desejo num abraço

Belo o tempo e fresca a noite
Anda daí meu amigo
Vem comigo que apetece
Ir de noite sem abrigo ver a vida que se afoite
No arraial
Na quermesse…

– Jorge Castro