A dor
Como o amor
Nem lá cabiam
Nem havia ali espaço para a mágoa
O que eu era estava em mim
Porque sim
Porque era assim
E a vida corria, corria
(Nada em mim se encurralava
Em camião militar
Ou esmagado
Por gritos medonhos
Por névoas de fumo sem sonhos
Em manhãs acres de neblinas
Quase roxas de cinzentas)
Não, ali nem nasciam dias
Ou, então, se os havia
Eram dias tão redondos
Aqueles
Como a barriga das minhas pernas
Rechonchudas, esféricas
Pindéricas
Que nem me levavam
Nem se deixavam levar
Aqueles dias
E as pernas e o coração e as mãos
Todos redondos
Rechonchudos, esféricos
Pindéricos
Todo eu dentro de mim
Porque sim
Porque era assim
Que em mim a vida corria
Não se me dava o azul
Nem o verde, o amarelo
E se de súbito acordava
Algum som de consciência
Febril, atenta
Em meu redor só existia
Placenta
Por instante fugaz, quase sem tempo
Eu vivi tão intenso aquele momento
Só meu
Era só eu que ali estava
E era eu
E bastava.
– Jorge Castro