Relendo o “Confesso Que Vivi”, de Pablo Neruda, e nesta época de prendas, partilharei convosco alguns excertos daquele livro, que retirei de dois capítulos: “Versos curtos e compridos” e “A originalidade”, por referirem temas sempre actuais no campo da poesia, em particular, e da arte, em geral. Lamentavelmente, essa actualidade talvez advenha mais de imodéstias, de invejas ou de ignaras concepções do mundo do que de alguma opção consciente… Mas é aqui que a palavra de um mestre pode reconfortar-nos:

Diz-nos, então, Neruda que alguns “medem a pauta dos meus versos, provando que os divido em pequenos fragmentos ou os estico demasiado. Não tem nenhuma importância. Quem determina que os versos sejam mais curtos ou mais compridos, mais delgados ou mais gordos, mais amarelos ou mais vermelhos? O poeta que os escreve. Determina-o com a sua respiração e o seu sangue, com a sua sabedoria e a sua ignorância, porque tudo isto entra no pão da poesia.

O poeta que não seja realista está morto. Mas o poeta que seja só realista está morto também. O poeta que seja apenas irracionalista só será compreendido por si mesmo e pela sua amada, o que é bastante triste. O poeta que seja só um racionalista será compreendido até pelos asnos, o que é também sumamente triste. Para tais equações não há cifras na pauta, não há ingredientes decretados por Deus, nem pelo Diabo. Pelo contrário: estas duas personagens importantíssimas mantêm uma luta constante dentro da poesia, e nesta batalha ou vence uma ou vence a outra. Mas a poesia é que não pode ficar derrotada.

É evidente que o ofício de poeta está a ser alvo de certos abusos. Surgem tantos poetas novéis e tantas incipientes poetisas que não tardará muito a parecermos todos poetas, desaparecendo os leitores. Teremos de ir à procura deles em expedições que atravessarão os areais em camelos ou circularão pelo céu em astronaves”.

E sobre a originalidade: “Eu não acredito na originalidade. É mais um feitiço na nossa época de vertiginoso desmoronamento. Creio na personalidade através de qualquer linguagem, de qualquer forma, de qualquer sentido da criação artística. Mas a originalidade delirante é uma invenção moderna e um vigário eleitoral. Não falta quem queira fazer-se eleger Primeiro Poeta do seu país, da sua língua ou do mundo. Correm, então, em busca de eleitores, insultam quem aparente possibilidades de lhes disputar o ceptro e, desse modo, a poesia transforma-se numa mascarada.

No entanto, é essencial conservar a direcção íntima, manter o controlo do crescimento que a natureza, a cultura e a vida social asseguram ao desenvolvimento das excelências do poeta.

(..) Por minha parte, conservo um tom próprio que se foi robustecendo pela sua própria natureza, tal como crescem as coisas vivas. É indubitável que as emoções fazem parte principal dos meus primeiros livros – e ai do poeta que não corresponda com o seu canto aos ternos ou furiosos apelos do coração!(…) Creio na espontaneidade dirigida. São necessárias, para isso, reservas que devem estar sempre à disposição do poeta (digamos: na sua algibeira) para qualquer emergência. Em primeiro lugar, a reserva de observações formais, virtuais, de palavras, sons ou imagens, que passam perto de nós como abelhas. Temos de as agarrar imediatamente e de as guardar na manga. (…) Existe também uma reserva de emoções. Como se guardam? Tomando consciência delas quando acontecem. Depois, diante do papel, recordaremos aquela consciência mais vivamente que a própria emoção”.

Elementos dignos de séria ponderação, digo eu, quando o que se escreve nasce bem dentro de nós mas tem sempre o outro em mente, em qualquer das fases do processo artístico.