Pontes e ruas e gentes e casas
Tal um formigueiro sem formiga de asa
E carros e vasos
E um viaduto
O triste reduto dos escaravelhos
E velhos e novos
E novos e velhos
Lavados ou sujos e tão mal usados
E pardos e cardos
E montes de entulho
Magotes de pobres e tantos engulhos
E bairros da lata e cacos e trapos
E tropas de trastes maltratam as putas
E os vira-latas tão escanzelados
Sozinhos
Carentes
Uivantes ao vento e a tudo o que passa
P’ra lá de trapeiras e de águas-furtadas
Compasso de tempo
Que o tempo ultrapassa
Dispersos os cães no tempo adverso
Passagem de nível cheia de fumaça
Que é das castanhas e desta desgraça
Sem graça nenhuma
Sequer golpe de asa
Sem arte tamanha que arda na febre
E a todos abrase
E pontes e ruas e gentes e casas
E as flores morrentes e o rio só vasa
E o arvoredo já tão degradado
E a sombra ingente do prédio do lado
E o surto pungente de gente infectada
De sida
De gripe
E da hepatite A – B – C ou D
Por tudo e por nada
E o empedrado
Pedra na estrada
E sobe que sobe
Corrente que corre
Que já nem descobre Luísa que morre
Subindo a calçada
De pontes e ruas e gentes e casas
Colhendo amarguras
Vidas desvairadas
E o odor a lixo
Fedor desalmado desse desperdício
Recém-triturado
Que já lhes invade o chão e o telhado
Os dentes e as mãos e os olhos e o pão
E não sobra nada
Não lhes sobra nada
Para além do bulício da grande cidade
De pontes e ruas e gentes e casas
Onde falta tudo
Sobra quase nada
Talvez só lhe fique um gesto ou um tique
Um encolher de ombros
Um grito
Um ataque
De riso ou de fúria
De espanto ou de pranto
Maleita de amar ou simples quebranto
Mal seja chegado à nova estação
Por entre um travão e um solavanco
E essa estação ser só de partidas
Por onde se inventam novas alvoradas
Soltas num suspiro
Num cais de chegadas.