Chegamos a uma altura do ano em que grandes empresas nacionais, por inconfessáveis desígnios (mas que talvez possamos associar à aproximação da época natalícia ou, mesmo, como algum ritual pós-moderno das celebrações do Solstício) desatam a anunciar em parangonas jornalísticas e alto brado televisivo, lucros que oscilam entre o fabuloso e o homérico…

Fala-se aqui, principalmente, daquelas empresas, ditas de serviços (ou pouco mais ou menos), de capitais públicos (ou pouco mais ou menos), que alucinogénicos conceitos de gestão vão privatizando (ou pouco mais ou menos), mas cujos gestores se mantêm, reverencialmente (ou pouco mais ou menos), ligados umbilicalmente à tutela estatal.

Entenda-se que também se poderia falar aqui das empresas todas privadas, coitadinhas, já privadas à nascença, e respectivos gestores (ou pouco mais ou menos) que mantêm a mesma ligação ardente e reverencial ao estado, apesar de passarem a vida a vender o artigo de que são independentes à brava… Vejam-se os contornos do recente caso prof. Marcelo versus Media-Capital, no caso de subsistirem dúvidas quanto àquela grande e indesmentível verdade que é: em Portugal, somos todos primos.

O próprio estado nos faz saber, com alegria, que já captou, até Agosto, as receitas previstas nos combustíveis até ao fim do ano. Viva, pois, o aumento do preço do petróleo e Deus queira que ele se mantenha, para que mestre Bagão não tenha de nos vender os anéis.

Tudo isto seria bom e todos incharíamos de ímpetos patrióticos e cachecóis verde-rubros, nas enormíssimas filas de trânsito entre a casa e o emprego, se não andassem a pregar-nos, vai para dois anos e tanto, que estamos atascados na mais inominável crise ou na mais pungente recessão económica. Uma e outra com origens no hediondo mundo capitalista em que vivemos – por azar nosso, mas que fazer?… – e às quais, crise e recessão, não é estranha a peculiar habilidade dos nossos governantes para as agravar até aos limites do absurdo.

E a nossa sacrossanta ingenuidade esperaria que, pelo menos, houvesse algum pudor, algum recato… Aquilo a que a populaça chama “um mamar doce”. Mas não. Com um sadismo gritante e um autismo esclarecedor, alegadas razões “de mercado” levam-nas a exporem-se, desavergonhadas e putas, em hasta pública, fazendo alarde do espólio sugado e atirando-o às trombas perplexas e basbaques do Zé Povinho, o único, afinal, que vive com a recessão e dorme com a crise.

Poderá, mesmo, admitir-se – e nem será por absurdo – que este estado de embrutecimento deve permanecer indefinidamente, a bem da economia nacional!… Haja coragem política para o assumir e talvez se faça escola.

Assim, a única coisa que me consola é não perceber nada (ou pouco mais ou menos) de Economia e Finanças, o que me confere um estatuto muito próximo do asno a quem, no estábulo da recessão, continua a ser apenas permitido retouçar nas palhinhas da crise, enquanto estas empresas de brincalhões medalhados no pueril jogo do Monopólio anunciam com despudor insultuoso os tais lucros de bradar aos céus e aos infernos, com os quais se compram, com carros, gasolinas, cartões de crédito e sabe-se lá que mais, aqueles de entre nós que estão sempre prontinhos para vender a alma ao diabo, a troco de um lugar no céu.

Como é diferente a crise, em Portugal…