Recebi, hoje, este texto que aqui divulgo. Perdoem a extensão e a tradução desajeitada… mas tentem arranjar um tempinho para o lerem. É educativo.


“Bonjour paresse” de Corine Maier

Elogio da Preguiça Faz Sucesso em França

Segunda-feira, 13 de Setembro de 2004

“A arte e a maneira da necessidade de se fazer o menos possível na empresa” está à beira de tornar-se um “best seller”, graças ao apoio involuntário da EDF. A empresa onde a autora do livro trabalha como economista não apreciou o exercício literário e ameaçou-a de despedimento

Ana Navarro Pedro, Paris

Saído com toda a discrição nas livrarias francesas, este Verão, o livro “Bonjour paresse” (Bom-dia preguiça, em tradução literal), de Corinne Maier e editado pela Michelon, com o seu longo subtítulo “A arte e a maneira da necessidade de se fazer o menos possível na empresa”, estava predestinado a desaparecer com a mesma circunspecção no fim da estação.

Mas as vendas vão já em 15 mil exemplares, outros tantos estão ser reeditados e há uma dezena de traduções em curso (e negociações para uma versão em português). Um sucesso granjeado involuntariamente pela EDF (Electricité de France), a grande empresa pública produtora de energia onde trabalha Corinne Maier como economista.

Ameaçada de despedimento, a autora devia ter na segunda-feira da semana passada uma reunião com a direcção do grupo. Mas ao fim do dia Corinne Maier afirmava que o processo interno de sanção iniciado pelo empresa “pelo facto ter escrito ‘Bonjour paresse’, foi abandonado”. “A hierarquia não deu motivos alguns nem sobre o processo disciplinar, nem sobre o seu abandono”, acrescentaram os delegados sindicais que Corinne Maier tinha solicitado quando se viu ameaçada de despedimento. Como sublinham os jornais britânicos, que dedicam páginas inteiras ao caso, a autora nem sequer deu ao trabalho de fazer grandes esforços para salvar o seu emprego. E quando a direcção da EDF a convocou para uma primeira reunião a 17 de Agosto, Corinne Maier respondeu que estava de férias.

Economista, doutorada também em psicologia, e com 40 anos, a autora narra em “Bonjour paresse”, num tom acerbo, os jogos de poder nas empresas, o vocabulário de “management” absconso, as incompetências dos colegas, a hipocrisia dos discursos. Neste panfleto anarquista, é recomendado fazer o menos possível porque o “cretino ao seu lado vai um dia destes substitui-lo”.

A direcção da EDF não apreciou este exercício literário numa altura em que a empresa pública abre o seu capital ao sector privado. Numa carta de ameaça de despedimento, a direcção mencionou um “não respeito pelo principio de lealdade” em relação à empresa e mencionou os seguintes

exemplos: “Ler o jornal em reunião de grupo, e sair das reuniões antes do fim, nomeadamente da reunião de 3 de Maio de 2003”. Estes factos “são reveladores de um aplicação individual da estratégia claramente indicada no livro ‘Bonjour paresse’, e tentam gangrenar o sistema do interior”, concluia a empresa que emprega 167 mil pessoas. Mas se Corinne Maier, se admite ter sido influenciada pelo clima no seu escritório, nega em contrapartida ter feito uma sátira da EDF, visando antes de mais as empresas do sector privado.

Gritos de alarme por trás da provocação

Descrevendo “um desencanto pronunciado” no mundo empresarial,Corinne Maier endereça o seu panfleto às pessoas que deixaram de acreditar que o trabalho é o vector da realização pessoal. “É necessário dizer que trabalhamos porque ‘gostamos do emprego’ que temos, e é um tabu dizer a verdade – que afinal se trabalha para se pagar as contas ao fim do mês”.

A autora recorre a uma forma de humor muito americano para desfiar, com cinismo, os seus preceitos: ” Você é um escravo dos tempos modernos. É inútil tentar mudar o sistema – isso só o torna mais forte (…) O trabalho que faz é inútil e você será um dia substituído um dia pelo cretino que trabalha na mesa ao lado – por isso trabalhe o menos possível e cultive uma rede de compadrios que o tornará intocável na próxima leva de despedimentos (…) Você não é julgado pelo seu mérito, mas pela sua aparência (…) Fale com linguagem tecnocrática: os outros vão pensar que você é inteligente (…) Não aceite posto de responsabilidade: vai ter de trabalhar mais, sem ganhar muito mais (…) Seja simpático com as pessoas com contratos a prazo – são as únicas que trabalham mesmo (…) Diga a si mesmo que este sistema absurdo não pode durar para sempre. Vai desabar como desabou o materialismo dialéctico do sistema comunista. Toda a questão é de saber quando”.

Mas por detrás da provocação, há gritos de alarme. Corinne Maier refere-se a um mundo em que “as pessoas que passam o cabo dos 50 anos são enviadas para o desemprego ou para os programas de pré-reforma. “Em França apenas um terço da classe etária dos 55-64 anos ainda trabalha – um ‘recorde do mundo’, segundo a autora. Um mundo em que as empresas repetem que o capital humano é o trunfo mais importante, mas que “tratam os empregados como lenços de papel”, a deitar fora quando já serviram.

“O sucesso do livro de Corinne Maier responde a um mal-estar crescente nas empresas”, escreveu o jornal de referência “le Monde”, na edição de 28 de Agosto: “Depois de terem investido enormemente na vida profissional nos anos 1970 e 1980, empregados e quadros tomam um recuo cada vez maior com o trabalho deles”.

O “desamor à camisola” notado nos empregados não afecta apenas os franceses: é uma tendência de fundo no mundo ocidental, onde um número crescente de empregados se distancia do mundo da empresa. Numa sondagem internacional de 2003, mas feita dentro da empresa, a “Chronopost” (empresa francesa de correio rápido) que tem escritórios no mundo inteiro, só 20 por cento dos empregados com menos de 35 anos declararam “implicar-se muito ou essencialmente” na sua vida profissional. E em todas as classes etárias e todos os escalões de responsabilidade, sete pessoas em cada dez disseram que a sua relação com o trabalho “tem uma barreira – a da vida privada”.

Esta mudança de mentalidade teria começado há uns dez anos, quando as maiores das empresas no mundo ocidental começaram lançar planos de despedimento, segundo o psiquiatra Patrick Légeron, dirigente do gabinete de recrutamento Stimulus: “Nos anos 1970 e 1980, pediu-se às pessoas que trabalhassem e que gostassem do trabalho delas. Mas depois veio o tempo dos despedimentos de massa, que sacrificaram até os empregados mais zelosos. A geração seguinte, que foi apanhada nos lares destroçados por estas situações, é a que menos apego tem ao mundo da empresa”.

Esta mudança psicológica vai obrigar o mundo empresarial a adaptar novos métodos de gestão, preconizam inúmeros media franceses e britânicos, alertados pelo sucesso do livro de Corinne Maier.