Não sou de Miranda
Mas Miranda é minha
Foi lá que nasceu p’ra mim o cheiro de ervas
Cantar de ribeiros
Dourar de trigais
Foi lá que aprendi o vento nas fragas
O saltar das cabras
A fúria das águas
Foi lá que senti o duro granito
Matizes de xisto
No voo das águias
Foi lá que vivi duras invernias
Que soube da vida
O rosto da fome
Foi lá que eu vi o que é ser-se um homem
Desiguais que somos
E sermos iguais

Não sou de Miranda
Mas Miranda é minha
Foi lá que nasceu o Sol que me abrasa
E doura os meus campos
Pela vida fora
Foi lá que aprendi aquele golpe de asa
Da pequena ave
Que canta e que chora
Foi lá que senti calor de amizade
Risos de estroinice
Gritar de alvoradas
Foi lá que vivi ímpetos de quimera
Na ilusão de ser
Menino p’ra sempre
Foi lá que eu vi o que é ser-se um homem
Bem preso no chão
Por saber ser livre

Não sou de Miranda
Mas Miranda é minha
Lançando as raízes da minha vida toda
Como cicatrizes
Dessas velhas árvores
Que bordam lameiros no seio da terra
E são os esteios por onde eu caminho
E por onde passo e repasso
No tempo que faço meu ninho

Não sou de Miranda
Melhor se o fora
P’ra não viver agora a mágoa profunda
De ter uma terra
Que sinto tão minha
E eu não ser dela.

– Jorge Castro