Talvez espere alguma condescendência dos amantes furiosos da bola… ou talvez não. Mas mexe comigo esta pretensa e fabricada ansiedade que nos querem impingir à volta do Euro 2004. E não me ocorrem imagens bucólicas, senão estas…
Fé na bola
Tu me dizes
Bola baixa
Foge à escola
É um país que se agarra
À guitarra e à bitola
Do pontapé numa bola
Que até de trapos é feita
E suspeita dignidade
Perde-se a turba na grita
Ao ver levarem à cena
Esse espectáculo catita:
Onze a jogar de um lado
Chuteiras das melhores peles
Famosos e milionários
Defrontando em contracena
Outros onze como eles
Os adversários…
E é o espremer do pão
Que é escasso até mais não
Só p’ra ver aquele joguinho
Que vai ser mais que certinho
Hão-de vir comer à mão!…
Viva nós
Com esta voz
Que se cala amortalhada
Quase sem luta
E sem nada
A ver a vida a morrer
E nós sem darmos por nada
Que não seja aquele apito
Qual apito?!…
Aquele grito
Que quase nos rasga o colo
Essa bruta trovoada
Que do alto da bancada
Grita: GOOOOLLLOOO!!!!!…
E lá voam os cachecóis
Os chapéus
Os caracóis da cabeleira postiça
Daquele pai de família
Vestido com as cores da equipa
Com que pintou a mobília
E há-de pintar a manta
Se o defesa sacripanta
Não ferrar a canelada
No adversário atacante
Um pouco porque ele merece
Outro tanto que apetece
E o futebol é isto
Que ninguém diga o contrário
Sim
Porque a honra é de ferro
E lava-se ao pontapé
Rasteirada ou cotovelo
Que o tal pai de família
Como os demais pede a berro
De furor contra o camelo
Do árbitro e da sua mãe
Que melhor fora nem tê-lo
GOOOOLLLOooooo…
Ulula agora este tolo
Co’a bola a bater na malha
A lateral
– Também calha… –
E arrepia o seu êxtase
Com um sumido: “- … Foi quase!…”
Assim vai uma nação
Com o coração sangrando
Esperando ter no pé
O que lhe escapa da mão
E que feita fé na História
Não foi nestes campeonatos
Que se guindou à glória
Ou sacudiu a tristeza
Dos fados e futebóis
Das fátimas e outros ais
Enfim nos fica a certeza
Que se tudo correr mal
Muito mal ou mal demais
Ainda nos resta a catarse
De – sendo isco de anzóis –
Podermos dizer baixinho: “- … Foi quase!…”
– Jorge Castro