A luta entre a vida que se vive e a que se julga digna de ser vivida faz-me, por vezes – e envergonhadamente o confesso – fixar longamente o monitor, até às lágrimas, sem resultados práticos de produção escrita. Aí, em desespero de causa e com sinceras suspeitas de que o Alzheimer ronde a minha porta, dou um salto ao blog Abrupto, onde a luz é tanta que ilumina, ofuscando, até as mentes mais coriáceas…

O seu autor – e eu sei de antemão que aquilo que (pobre de mim) eu possa dele dizer nunca se confirmará – ressalta, entre o brincalhão irónico e o sarcástico enfatuado, espargindo luminescências a torto e a direito, que me abrem sempre novos caminhos imensos de inspiração. Só por isso eu deveria estar grato.

E, no entanto, assim não acontece. Pelo contrário, quiçá por estúpida ingratidão, sinto sempre aquela ardência das urtigas a fustigarem-me as meninges e com uma frequência inusitada, já que aquele manancial de referências integra o escasso corpus de não mais de cinco omniscientes filósofos que, nesta terra pequena, opinam sobre tudo e sobre todos, qual farol pentagonal de sabedoria lusitana.

Encurtando razões, o homem irrita-me. O que é que eu hei-de fazer? Irrita-me!… A propósito das sevícias sobre os prisioneiros iraquianos, o nosso mentor acha por adequado descentrar a questão para um transcendente relatório que implica militares portugueses, em pleno PREC – leia-se, há cerca de trinta anos – e as FP25. Ainda os actuais soldados americanos não eram nascidos, coitados…

Pelo caminho, questiona tudo que é mente instruída sobre o que pensaremos dele se um dia o virmos a utilizar, como se de velhas bragas descidas se tratasse, o termo “olimpianismo”, neologismo que lhe está a fazer muita falta ao rigor… Por mim, tudo bem, desde que não influencie negativamente crianças de tenra idade.

Também por ali se faz eco de um texto que evolui acerca das velhas questões de Galileu com a Santa Madre Igreja do seu tempo, claro. Mesmo aqui, pelo arrazoado do texto, se fica com algumas dúvidas quanto à teimosia do velho Galileu. Lemos: “chega mesmo a ser irónico o problema epistemológico, afinal o cardeal inquisidor estava mais próximo da visão actual da ciência do que à primeira vista parecia”. Não sei se Galileu, com o cheiro a chamusco dos pêlos das pernas, terá considerado a ironia do problema epistemológico ou se subscreveria o tal arrazoado, mas a verdade é que não será fácil dele apurar o parecer.

E, assim, de pequena limadela numa fractura da História até à perfuração petrolífera da interpretação pessoal, o autor do Abrupto chegará a convencer-nos de que já Geraldes, o Sem Pavor, praticava a degola de inimigos ao pequeno-almoço, vindo a conotar-se como força do Mal, acolitado por um tal Afonso que, por sua vez tratava mal a senhora sua mãe, dando péssimo exemplo às gerações vindouras e legitimando todo o despautério que se perpetrou na matéria e até aos dias de hoje. Já para não falar de Átila e por aí fora (vais ver que é da natureza humana)…

Depois, insurge-se contra comentaristas e outros jornalistas que se indignam com as verdades que ele defende, acusando-os de não praticarem equanimidade de tratamento às Rússias e às Chinas e às Cubas e aos Bangladesh e às Faixas de Gaza e às Eritreias e sei lá que mais, quando toca às liberdades e demais minudências de direitos humanos… Pacheco, homem, então você acha que para se ser objectivo (ainda que tendencialmente…) no repúdio ao atropelo das liberdades no chamado mundo ocidental é necessário, como se de purga espiritual se tratasse, vituperar primeiro os “agentes internacionais do Mal” e mais quem os apoiar? Caramba, homem, você às vezes parece um puto queixinhas…