Sinalética I – Irmão, porque não utilizas uns dispositivos que a tecnologia disponibiliza na tua viatura, logo depois do volante que te permite ires para onde tu quiseres, dispositivos esses que te facultam a elevada possibilidade de comunicares com o teu semelhante?… Até têm um nome patusco: pisca-pisca. Já ouviste falar? Vê lá bem que, como regra geral, basta um empurrãozito para cima ou para baixo, para eles alegrarem a tua participação no trânsito da cidade.

Se os usares, sabes o que pode acontecer? Tu queres virar e vais virar para a direita. E tu fazes pisca-pisca para o lado direito e, de repente, o mundo ficou mais rico, porque tu, com simples e económico gesto, partilhaste o teu destino com o tal mundo. Depois, tu queres virar para a esquerda e vais virar!… E tu ligas o pisca-pisca a assinalar a tua eminente viragem… E o mundo, a Humanidade toda mas, principalmente, o palerma que vem atrás de ti, pode contar com a tua próxima e transcendente manobra. E sentir-te-ás parte integrante do grande concerto do Universo!…

E, uma vez mais, tu, oh, grandioso condutor, que fazes o teu caminho caminhando sobre rodas, enriqueces o mundo e a Humanidade toda – mas principalmente o palerma que vem atrás de ti!… – com essa altruística partilha.

Este pensamento não te exalta? Não pressentes em ti um superior desígnio, um sobressalto que te eleva muito para além da circunstância de seres, apenas e só, mais um cabrãozito a circular nas estradas de Portugal?

… Vê lá se a tua viatura não tem esses dispositivos que aqui se referem. É que, se não tiver, deves reclamar junto do representante oficial da marca, porque a lei obriga à sua instalação e à tua utilização…

E, por falta de sinais, anda para aí a morrer tanta gente que, se calhar, até faz falta…

Sinalética II – Em Lisboa, capital do 2004 em inglês e tudo, há sinais de trânsito nas ruas que, talvez por nós, portugueses, não sermos muito altos, alçam-se a escasso metro e meio do chão e, geralmente, em locais estratégicos de atravessamento de artérias…

Tenho para mim que se trata de um sofisticado processo de selecção natural estudado pelos organismos oficiais para abater do balanço social uma mão-cheia de cidadãos distraídos ou com deficiências estratégicas.

Na verdade, para quem os encare de determinada perspectiva, são quase invisíveis e podem, ao cidadão munícipe inadvertido ou espantado por alguma circunstância da vida, estralejar as trombas em dispositivo que se destinava a orientá-lo na vida, que não a invalidá-lo, onerando o orçamento do Estado.

Quem determinou a instalação de tais armadilhas para o transeunte distraído, exactamente à altura da fachada ou frontspício do comum dos mortais?

Porque será que temos de ficar sempre tão longe do razoável, da racionalidade, e sempre tão estuporadamente perto da estupidez?