vejam bem… (II) – pequeno desenvolvimento

No seguimento da entrada, em 15 de Maio p.p., com este mesmo título (vejam bem…), um amigo meu – a quem vou nomear apenas como JF por reserva de confidencialidade – contactou-me por telefone e com habitual e esperada frontalidade, legitimamente agastado por aquilo que ele considerou – e com alguma razão, a meu ver – eu ter «deixado no ar» uma crítica social de que transpareceria ser o valor da obra de arte a causa da minha diatribe… 
Estou, obviamente a simplificar a densidade da conversa telefónica, cordialíssima, aliás, como se espera de bons amigos que – oh, curiosidade! – ainda para mais se respeitam, mas sim para obstar ao sofrimento dos meus improváveis leitores para me aturarem neste desenvolvimento.
Tive, assim, oportunidade de esclarecer que, muito de acordo com a opinião de que uma obra de arte, em si, terá até um valor incalculável ou imaterial enquanto património da humanidade, o artista necessita de comer e de beber todos os dias e, daí, haver de se lhe atribuir – à obra de arte produzida – um valor muito material que o sustente. 
Até aqui, estamos em enormíssimo acordo.
A minha reflexão – onde também contraponho e sublinho a minha própria situação de privilégio em relação a imensas maiorias de cidadãos por esse mundo fora – é tão-só o alerta possível relativamente a esse mundo em que um qualquer indivíduo, cidadão como os demais, se pode guindar ao estatuto de transaccionar um bem como o quadro de Picasso de que aqui se fala por aquele valor anunciado – do qual convirá também referir que o próprio autor já não está em condições de usufruir a mais ínfima parte. 
E se Picasso, em vida, não teve desmesurados problemas de sustento, isso não ocorre com uma imensa maioria de artistas de desvairadas disciplinas, por esse mundo fora.
A distorção social a que chegamos – e da qual quase nem damos conta – que subjaz à capacidade do indivíduo ou da instituição dispor de tais astronómicas verbas, a despeito do mundo à sua volta se encontrar imerso na desgraça da fome, no meio da sociedade da abastança, isso sim é que reputo de irracional e obsceno.
Outro aspecto a considerar tantas vezes, é que a
apropriação particular ou privada da obra de arte vai, afinal, sonegar
do grande público o seu acesso, encerrada que fica em catacumbas securitárias
pelo incomensurável valor que lhe foi atribuído por corpos estranhos ao acto
criativo.
Depois, se olharmos para a progressiva indigência em que vai mergulhando, por toda a parte, o mundo da arte e da cultura, onde o autor hoje miserável e a viver de amigos, tem a sua obra incensada e finalmente valorizada depois da sua morte, mais arrepiante se me depara aquela obscenidade…
Por fim, dir-se-á que tudo isto tem muito que ver com a
«natureza humana», expressão com as costas largas de acolher os desmandos que
passem pela cabeça e pelo poder de compra de cada um. Mas em que parte dessa
«natureza» fica, depois, a destruição do património da humanidade a que estamos
a assistir, quase impávidos, por parte de uma aberrante seita numa guerra insensata
(como todas são, ainda que umas mais do que outras, se me perdoarem a
contradição…) que foi suscitada e é alimentada por esta magnífica sociedade
ocidental em que estamos e somos?
A obra de arte, como tal reconhecida, integra o nosso património
e dela, numa sociedade da Utopia, apenas deveria colher benefício material
imediato o seu autor, enquanto elemento fundador dessa sociedade.
Para todos os demais, mormente após a inexorável morte do
autor, interessaria assumir a consciência de que a obra de arte pertence ao
mundo e dela deveriam desfrutar todos e por ela todos deverem ser atentos responsáveis
e os mais fiéis guardadores.  

Falta aqui Escola, muita Escola, claro, para que esta
Utopia se materialize. E sobra, por outro lado, muita cegueira do lucro parasitário. Mas, já
diria Galileu, contudo a Terra move-se
e, assim sendo, o mundo pula e avança…

vejam bem…

Um quadro de Picasso (As Mulheres de Argel  – versão O) tornou-se na segunda-feira a tela mais cara alguma vez vendida em leilão, ao ser adjudicada por 179,3 milhões de dólares (161 milhões de euros). Mas houve mais recordes em Nova Iorque (…).
(In http://www.dn.pt/inicio/artes/interior.aspx?content_id=4562831)
Há qualquer coisa de admirável no mundo que todos ajudamos a construir. Vejamos:
Hoje, eu, afortunado cidadão de um país do mundo ocidental, almocei. Pedi uma dose de coelho grelhado (e metade do animal vinha na travessa), acompanhado com esparregado e batatas a murro; reguei tudo com um belo tinto (reserva), comi um pão e bebi o café e, chegado ao fim, custou-me esta aventura qualquer coisa como 12 (doze) euros. O restaurante é normal, bem frequentado por clientes normais. Enfim, interessa o que interessa: satisfeito, eu paguei 12 euros.
E dei por mim a magicar nestas extraordinárias transcendências:
161.000.000 € – e, notem bem, por UM simples quadro, ainda que de Picasso -, a 12 € por refeição, dariam para  13.416.666 refeições idênticas ou, dito de modo mais prosaico e considerando que o ser humano poderá ingerir duas refeiçõezitas destas ao dia e que o ano tem, geralmente, 365 dias (logo 630 refeições destas),  21.296 seres humanos poderiam alimentar-se, durante um ano, só com este quadro.
Por outro lado
161.000.000 € – e sempre o mesmo quadro de Picasso – se considerarmos que, em África, o rendimento diário per capita, em vários países, ronda UM €, poderá levar-nos à seguinte contabilização: 50 anos são 18.250 dias e, assim sendo, aquele montante permitiria que 8.822 seres humanos pudessem sobreviver durante 50 anos… e, outra vez, apenas com este quadro.
Este raciocínio é tão pornográfico, tão escabroso, tão obsceno que estou em crer que desta vez é que me encerram o blog… 

é Primavera

Completamente saturado dos permanentes vendilhões do templo que andam todos os dias de Portugal à lapela, no exercício que lhes é tão caro de apresentarem fachadas ornamentadas e pintadas de fresco em imóveis de interior caduco, apodrecido e desprezado, quero continuar a transportar esta nação a que pertenço no coração, lugar muito mais reservado, mas de grande aconchego e motivação. 

Aí, na verdade, ainda não há pin descartável que se lhe aplique…  


– E acabei, mesmo agora, de saber que Manoel de Oliveira nos morreu. Ficará, agora, a terra mais rica, que nós já o estamos que avonde com a obra que nos deixa.  

o preço a que está o cherne

Será este, porventura, um exercício simplório da mais sórdida inveja. Muito bem! E, já agora, um não menos bacoco exemplo de incompreensão infinita da res publica. O que só cai mal em espírito que se pretende informado q.b. e lúcido outro tanto. 
Será tudo o que quiserem, sem apelo ou negação – e já me está a ocorrer o Ary… – mas tratar assim o cherne, não! O que irão dizer (sentir?) todos os escamados que pululam os sete mares? 
E notem que este humilde cidadão que eu sou, tão escamado, aliás, como as demais espécies piscícolas que vagueiam pelos oceanos, não tem nada contra estes milhares todos de bênçãos que tombam, placidamente, no toutiço deste cherne. Nada disso! Eu só gostaria, mesmo, é que estas bençãos, quando nascessem, fossem como o Sol: para todos.   
Enfim, porque ele, o cherne, merece e com a devida vénia, deixo-vos aqui um poemaço do meu amigo cápê, a este (des)propósito:

O CHERNE

OK O`NEILL
Sigamos o Cherne
de Alexandre O`Nell
serviu para alguma coisa
serviu para a Uva
dizer ao Zé
ganharás o poder
meu ex-maoísta
meu sempre em pé
podes dele abusar


e se todos nós
os portugueses
seguíssemos o Cherne
estaríamos refastelados
em Bruxelas
com brutos ordenados
mas um país deserto
país não é
portanto fico
por cá a fazê-lo

prefiro o cherne
de preferência?
É cozê-lo.

cápê in Ó Simpático Vai um Tirinho?