a tradição, tal como muitos políticos, afinal não muda… quando muito, adapta-se…

Numa das minhas habitualmente desorganizadas incursões literárias em tempo de férias, tropecei quase literalmente, num livrinho cuja leitura se conclui em meia-hora, e que fez as minhas delícias em exercícios de memória que descobri, afinal, ainda cheia de recursos que julgava perdidos.
A obra em apreço é tão-só uma edição de 2010, facsimilada, a cargo da Fólio Exemplar, de um original publicado em 1919, pela Companhia Portugueza Editora, da autoria de F. Adolfo Coelho, com o título de Jogos e Rimas Infantis, e integrado na Bibliotheca de Contos para Creanças:
O encanto deste livrinho advém do facto de contemplar uma série de jogos e lenga-lengas infantis pelos quais, pela mão de avós, pais, tios e outros companheiros de folguedos, ainda me recordo de ter passeado e entretido a minha meninice, cultivando-a e crescendo.
Partilho, aqui, convosco uma historieta nele contida (páginas 24 e 25)… em que a preversidade da minha actual idade conseguiu lobrigar laivos de  actualidade e pode constituir um exercício de descontracção e relaxe, a ser realizado por cada um logo após a audição de algum aleatório noticiário:
O Caçador e a Velha
(44) Era uma vez um caçador furunfunfor, triunfunfor, misericuntor; e foi à caça furunfunfaça, triunfunfaça, misericuntaça; – e caçou um coelho furunfunfelho, triunfunfelho, misericuntelho; – e levou-o a uma velha furunfunfelha, triunfunfelha, misericuntelha; – e disse-lhe:
– Arranja-me este coelho furunfunfelho, triunfunfelho, misericuntelho.
A velha furunfunfelha, triunfunfelha, misericuntelha, comeu o coelho furunfunfelho, triunfunfelho, misericuntelho; – e veio o caçador furunfunfor, triunfunfor, misericuntor; – e disse:
– Ó velha furunfunfelha, triunfunfelha, misericuntelha! que é do meu coelho furunfunfelho, triunfunfelho, misericuntelho?
– O teu coelho furunfunfelho, triunfunfelho, misericuntelho, comeu-o o gato, furunfunfato, triunfunfato, misericuntato.
As minhas desculpas, se esta reprodução não vos suscitou um sorriso. O meu, para aqui fica, rasgado e algo idiota. Muito mais por culpa do tal noticiário do que pelo (des)trava-línguas acima, é bem verdade…

nunc est bibendum… et comendum et cantandum et coetera…
enfim combibendum

Do que se fala aqui é tão simplesmente dessa coisa prosaica e, no entanto, tão transcendente, que é a nobre arte do convívio. 
Alimentada por uma bela comezaina, regada com uma boa vinhaça, temperada de risos e despautérios, estabelecendo enlaces que perdurarão mais ou menos, mas que são, esses sim, novas janelas de oportunidades pelos caminhos dos afectos, buscando muito mais o que una, mesmo que ocasionalmente, do que aquilo que irremediavelmente nos afaste, sem proveito, sem gozo, sem juízo.  
Aos dois de Junho e por Coimbra, no Joaquim dos Leitões, fomos grandes e fomos belos, digo-vos eu, todo vaidoso desta condição de ser humano.
Com crise e com troika e por maus Passos dados e os mais a dar, determinados tão-só por esse ilustre peito lusitano, que mesmo inexplicavelmente tem sempre em si a capacidade de dar novos mundos ao mundo, por ali nos encontrámos. Para alguns uma estreia, outros velhos conhecidos…   
… dando de si cada um o que pôde ou tinha mais à mão, apenas pela alegria do momento, o desvario apetecido, a partilha sem preconceito – pelo menos que se desse por eles… 
Do que por lá se passou, não deixo relato. A sessão era aberta, foi anunciada e lá foi quem quis ou pôde. E a graça está em vivê-la. Qualquer descrição a empobreceria. Lá está: melhor experimentá-lo que julgá-lo, mas julgue-o quem não pôde experimentá-lo

Da Tuna Meliches aos poemas circunstanciais, das rábulas presidencialícias… 

… às deslumbrantes cenas cardinalícias…

… Tanto riso, ó quanta alegria, mais de mil palhaços no salão…

No final, as últimas bençãos…

… e, cá fora, o Bazófias, condescendente, continuava a correr para o mar, como se nada fosse, mesmo sob o olhar atento e curioso de Torga… 

– Fotografias de Lídia Castro, Lourdes Calmeiro e Jorge Castro

súmula descritiva


de uma romagem a terras do planalto mirandês com a
EMACO – Espaço e Memória Associação Cultural de Oeiras,

nos dias 09, 10 e 11 de Fevereiro de 2013


Dia 09 de Fevereiro
– Saída de Oeiras – Galerias Alto da Barra – Previsão de hora de saída: 6h. Saída efectiva pelas 6h45, em camioneta da DELTA BUS conduzida por José Gomes, entretanto vítima de pequeno atraso involuntário.

– Grupo constituído por 29 romeiros. Distribuição de documentação diversa, por parte da direcção da EMACO, relacionada com a temática dos lugares a visitar e distribuição do livro Havia Trigo – Habie Trigo, da autoria de Jorge Castro e retroversão para mirandês de Bárbolo Alves, edição da Apenas Livros (2003).    

– Chegada a Miranda do Douro às 13h30 – check in no Hotel Turismo (Rua 1º de Maio – vide http://hotelturismomiranda.pai.pt/), unidade hoteleira que, após minuciosa investigação, sempre confirmámos que, afinal, dispunha de água quente, bem como dos demais aconchegos expectáveis. Mais do que isso, todos se manifestaram muito satisfeitos e aconchegados com o alojamento.

– Recepção, no largo do mercado e à entrada do Restaurante Capa d’Honras, por um conjunto de três jovens, equipados com gaita-de-foles, caixa e bombo e trajes a rigor, anunciando que, por ali, a música é outra.

– 14h – Almoço no Restaurante Capa d’Honras (capadhonras@hotmail.com), situado na Travessa do Castelo, com início de pequeno (…?!…) festival gastronómico, proposto por Paulo Gomes, dono do restaurante e nosso anfitrião. Para além das soberbas entradas, a fazer honra ao fumeiro da região, e do vinho da casa – vítima, aliás, de profusas e reiteradas libações –, o prato forte foi o Cozido à Mirandesa, para retempero do desgaste da viagem.

– Pelas 16h30, visita guiada e minuciosa à Central Hidroeléctrica de Miranda do Douro (EDP), muito interessadamente conduzida por dois jovens – David Silva e Hugo Palhares – que não se pouparam a esforços para divulgar até onde pode ir a mão e o engenho humanos, quer metafórica como materializado no terreno.

 

– Após uma breve passagem pelo Hotel Turismo e atendendo ao adiantado da hora, rumámos, de novo, ao Capa d’Honras, onde nos esperava um Cabrito Mirandês grelhado, que suscitou inúmeras comoções ao rés das lágrimas, ao longo do repasto. Uma referência especial a uma saladinha de merujas ou meruges, planta selvagem, aquática e susceptível,que fez as nossas delícias. Já num registo mais apurado, em modo de Rui Costa Pinto dixit, estaremos em presença de uma erva anual, ou bienal, da família Portulacaeae, com caules (5-50 cm) ramificados nos nós inferiores, com ramos geralmente prostrados; folhas algo suculentas, sésseis, aproximadamente espatuladas, inteiras, opostas; flores diminutas, com 5 pétalas brancas, dispostas em cimeiras terminais e laterais, em qualquer caso, com poucas flores…

– Passeio noctuno para esmoer, a 1º acima de zero, pela cidade de Miranda – Sé (e ninguém conseguiu ver o 2…!), Paço Episcopal, Biblioteca Municipal (antiga Igreja dos Frades Trinos), zona exterior da muralha, Rua da Costanilha, etc.. Todos sobreviveram, apesar dalguma refrigeração ambiental, após o que se dirigiu cada um a seu quarto.

Dia 10 de Fevereiro
– Pequeno-almoço no Hotel Turismo entre as 08h15 e as 09h da manhã.
– A partir das 09h, passeio diurno por Miranda do Douro, em busca das coisas da terra e modo airoso de aliviar um pouco as bolsas.
– Às 09h, na porta de entrada da zona histórica da cidade, dissertação a cargo de Joaquim Boiça sobre as origens e evolução da povoação de Miranda do Douro, com especial incidência na sua praça-forte e as suas tremendas vicissitudes.

– Às 09h30, visita do grupo ao Museu da Terra de Miranda, onde se pode ver muito da etnografia da região mas onde uma senhora, aqui e ali austera e em bom cumprimento de superiores ditames, não permitia que tirássemos fotografias…

– Pelas 10h15, visita à Sé de Miranda do Douro e ao Menino Jesus da Cartolinha, para além dos anjos e das anjas, mais ou menos alados e/ou expostos. No final, várias e vários conseguiram descortinar o 2 na arriba espanhola do rio Douro!
  
– Convívio de café e novo passeio, agora diurno, por alguns locais emblemáticos da cidade, com relevo para os cachorros zambargonhados encontradiços na Rua da Costanilha, e torres das muralhas. A chuvinha, condimentando um vento frio de rachar, rapidamente aconselhou a deslocação ao almoço.

– Pelas 12h30, almoço no Capa d’Honras. Prato que nos esperava – outra vez, depois de excelentes entradas variadas – era um Bacalhau à moda da casa, que nos aqueceu para o período da tarde.

– 15 horas: visita à albufeira da barragem de Picote no Barrocal do Douro, seguida de vista de olhos, lamentavelmente perturbada pela chuva intensa, ao Moderno Escondido, estilo arquitectónico único (meados do século XX), que integrava as infraestruturas do estaleiro edificado para a construção da Central Hidroeléctrica de Picote, da Hidro-Eléctrica do Douro. Este conjunto encontra-se em franca recuperação (igreja, «centro comercial», pousada, habitações de quadros superiores, etc.).

– 16h30, chegada à aldeia de Picote, com passeio (chuvoso) até ao miradouro de la Peinha de l Puio, para vista dramática sobre o rio Doutro, tendo como anfitrião o professor António Bárbolo Alves que, logo mais, nos levou até ao Ecomuseu Terra Mater – Ecomuseu de la Tierra de Miranda, instituição que dirige através da FRAUGA – Associaçon pa l Zambolbimiento Antegrado de Picuote (http://www.frauga.pt/). Projecção de um filme sobre as actividades da Associação e do Ecomuseu, a que se seguiu dissertação sobre o tema, com sessão de perguntas e respostas. Por fim, ouviu-se a sonoridade do linguajar mirandês, através de leitura de textos e breve sessão de poesia.    

– 20h – Regresso a Miranda do Douro, ao Capa d’Honras, para fazer as honras a um Cabrito Mirandês na grelha, já alcandorado a património bem material da Humanidade. Convívio e conversa da boa, pela noite fora.
–  De regresso ao Hotel Turismo, alguns houve que ainda prolongaram o dia em bar aberto (ainda que seco…), onde a única coisa bebível foram as palavras e a boa disposição que encheram a noite.
Dia 11 de Fevereiro
– 08h15 – Pequeno almoço e check out. Pelas 09h30 e alguns minutos mais, depois de desbaste nas publicações disponíveis no Turismo e em presença de uma bela manhã ensolarada, saída de Miranda do Douro, até mais ver.

– 09h45 – breve paragem na antiga e abandonada estação de comboios de Duas Igrejas para, a par da constatação de breve queda de neve durante a noite que nos deixou um inefável e inconstante véu branco na paisagem, observarmos os curiosos painéis de azulejos, documentando usos e costumes da região, que forram o exterior do edifício.

– 10h15 – chegada a Palaçoulo e, aqui, às Cutelarias FILMAM, Lda. (http://www.filmam.com/), onde se efectuou visita guiada a esta unidade fabril, com 140 anos de arte na cutelaria, e onde cada um, no final, se muniu de navalhicas M.A.M. para todos os gostos e desvairadas funções. (Aqui também não permitiam fotografias…) 

– 11h30 – Visita guiada à empresa Tanoaria J. M. Gonçalves (http://www.jmgoncalves.com), também em Palaçoulo e também com actividade centenária, onde são produzidos os «Rolls Royce das pipas», com exportação para todo o mundo… conceito extensivo a Oeiras, pois são elas que acolhem o vinho de Carcavelos, actualmente produzido na Estação Agronómica de Oeiras, conforme recente visita da EMACO nos permitiu observar. Entretanto e pelo meio da viagem, deparámos com um simpático passageiro clandestino que logo se fez velha companhia…

– 12h30 – Visita, em Atenor, à AEPGA – Associação para o Estudo e Protecção do Gado Asinino (http://www.aepga.pt/), onde assistimos a uma excelente e motivadora prelecção de Miguel Nóvoa sobre os objectivos e os resultados já alcançados por esta Associação na protecção, salvaguarda e sustentabilidade desta espécie asinina, e onde tivemos oportunidade para travar conhecimento muito próximo com os burros lhanudos mirandeses, animais dóceis mas ponderados, donos de uma inteligência persistente, dir-se-ia. No final, registou-se um «assalto» por curiosidade às instalações administrativas da Associação, talvez decorrente de uma súbita apetência para também podermos e querermos assumir ser «burros» de uma outra maneira… Desta visita decorreu uma outra ideia: vir a ser a EMACO madrinha de um burrico lanudo mirandês – e está a ideia no ar.

– 14h – Romagem ao Restaurante Burela, de regresso a Palaçoulo, onde nos esperava uma cordial recepção e uma Posta Mirandesa que, se a alguns causou alguma estranheza por não se apresentar cada unidade com as dimensões pantagruélicas de outras eras, não foi menos certo de que se estava em presença de excelentes e saborosíssimos nacos de carne mirandesa, a fazer jus ao nome e à fama. No final, sobremesa típica com queijo e marmelada (ou doces), exemplos superiores de confecção caseira e regional. 

Tempo ainda para travar novos conhecimentos…

– 15h30 – despedida às terras de Miranda, em Sendim, com visita «desesperada» ao talho da Dona Alice e à casa de confecções de Susana Castro. E se, no primeiro, nos munimos das celebradas alheiras de Miranda – que nada ficam a dever às outras, bem pelo contrário –­, na segunda, fizeram-se os derradeiros desvarios de compras nos produtos em burel, pardo e surrobeco, bem como em velhos sacos de cereais reaproveitados, matérias-primas de uma interessantíssima e muito original linha de produtos de vestuário e afins.

– 16h30 – início do regresso a casa, que se registou às 11h45, nas Galerias Alto da Barra, em Oeiras, sob chuva miudinha, que não teve artes de arrefecer os encantos da jornada.
Uma palavra final de explicação para a única expectativa gorada deste passeio – ainda que largamente substituída por alternativas disponíveis – e que foi o cruzeiro ambiental no rio Douro. Já um ex libris da cidade de Miranda do Douro, não nos esteve acessível por deficiente e tardia informação. De facto, o barco ambiental encontrava-se em manutenção e os cruzeiros temporariamente interrompidos, o que apenas pudemos apurar na véspera da nossa partida.
Entretanto, como saldo derradeiro da iniciativa, apenas me ocorre parafrasear o Luís Vaz, lá pel’Os Lusíadas: melhor experimentá-lo que julgá-lo, mas julgue-o quem não pôde experimentá-lo… E não, não se encontrou pelourinho afeiçoado o bastante para ser condigno a expor poetas às vicissitudes da jornada – ainda que presuntivo juiz não deva imiscuir-se em causa própria.

    

ah, as férias…!

Estou de férias. Fui para fora cá dentro. Para fora através de um livro ou de alguma curta escapadela mas sempre muito circunscrita. Tempo de arrumar ideias e respirar um pouco, sem compromissos à vista…
Ler, ter sempre algo para ler, subvertendo o dia. E vejam lá que lendo Ruben Fonseca, numa mistura alucinogénea com o Zaratustra do Nitsche, dei por mim meditabundo em torno do seguinte pensamento:
Toda a verdade é relativa, ainda que toda a mentira seja absoluta
Nem um nem outro o disseram, mas foi isso que concluí. Ocorre-me paráfrase sobre dito do meu amigo Fanha: isto de ler é lixado!