no 13º aniversário do Sete Mares
fazendo votos de felicidades mil…

Efectuei uma análise exaustiva e científica a todas as entrevistas de rua efectuadas pelas televisões portuguesas, ao longo de 2016, e apurei as duas frases que irão servir-me para esta ilustríssima data e que faço questão de aqui partilhar com todos vós:

Isto é fantástico!
Não tenho palavras…! 
E, enfim, façam vocências os possíveis e impossíveis para serem felizes neste 2017 que se avizinha.

Quase-quase em jeito de mensagem de fim de ano e princípio de novo

Nesta manhã fria e carregando comigo uma quantidade de vírus indesejados, fungando, tossindo e pigarreando, febril, em sinfonia gripal a solo, dou por mim, no meu passeio matinal, logo depois de um matinal café mal bebido, porque meio queimado, e a caminho do meu local de trabalho, a vociferar intimamente contra todos os concidadãos que estacionam as viaturas sobre os passeios, deixando aos peões uma nesga de circulação, entre tabiques de obras, caixotes do lixo ou lixo espalhado pelo chão ou, ainda e pior, dejectos de inumeráveis cãezinhos, que os donos respectivos se esquecem de recolher e levar para casa – tantas vezes, aos próprios cãezinhos… 

Nada augurava, pois, um dia auspicioso e feliz.

E assim eu ia matutando, embatendo, involuntariamente e com dor, com o cotovelo nos retrovisores – que nem isso recolhem, esses egoístas condutores estacionados, apesar de correrem o risco, civilmente presumível, de um legitimamente arreliado cidadão lhes rebentar, a murro, essas excrescências das viaturas… – e lá que merecer, mereciam!

Mas, coitados e verdades sejam ditas, estacionar onde? Ao menos ali nem pagam o estacionamento. Os peões, assim como assim e de algum modo, lá hão-de safar-se.

Entretanto, em sentido contrário, aproxima-se uma jovenzinha, ajoujada ao peso de uma mochila quase maior do que ela, e em artes de dançarina – tal como eu – na gincana dos objectos obstáculos.

No momento de nos cruzarmos, encolhi-me todo, esmagando-me contra um carro – desejando intimamente que algum risco involuntário (mas merecido) na pintura compensasse a sujidade que ficaria agarrada ao meu casacão – e cedi-lhe a passagem possível, que consistia numa nesga onde mal cabíamos ambos, não houvera ginásticas de delicadeza.

A jovenzinha ergueu o olhar para mim, sorriu e disse-me obrigada.

E tanto bastou para que, de súbito, eu sentisse o mundo com outro olhar.

Ocorreu-me Sampaio da Nóvoa, numa sua palestra sobre esta forma portuguesa de agradecer, em que invoca São Tomás de Aquino, no seu Tratado da Gratidão, dissertando sobre esta manifestação do terceiro nível de agradecimento que, ao que parece, apenas em Portugal é usado: obrigado.

Apesar de tudo, há sempre a possibilidade de um sorriso e de uma manifestação de humanidade quando menos se espera e por mais singela que ela seja. Não saberá a jovenzinha o bem que me fez, nem eu saberia pagar-lhe por esse bem.

Mas, sim, também eu lhe fiquei, sentidamente, obrigado.  

– Jorge Castro
28 de Dezembro de 2016

Natal, o tal, sempre que a gente o quiser…

… e que afeiçoaremos como melhor nos aprouver.

De mim, recebam esta família primordial – lá está, afeiçoada por olhos que tiveram artes de ver de outra maneira – e que, sem fragilizarem o conceito, bem pelo contrário o fortalecem.

 (- Artesanato da serralharia O Pinha, de Manuel Machado, em Celeirós, Braga)  
 
O Natal é uma janela
 
o Natal é uma janela
que abrimos a quem passa
tão-só para cumprimentar
dando um ar da nossa graça
porque o tempo passa
passa
sem dar tempo de parar
 
temos musgo
e azevinho
na ombreira da janela
não vá o nosso vizinho
passar também a correr
e nem sequer dar por ela
 
o Natal tem afinal
esse dom de por um dia
– ou
vamos lá… por um mês –
sentirmos essa alegria
de sermos gente outra vez
 
de ficarmos à janela
aberta de par em par
lançando à rua um sorriso
e deixando entrar o ar
que nos varra os pesadelos
os medos
as aflições
de que estamos pelos cabelos
sem aprendermos lições
 
o Natal é esse olhar
que vai além da vidraça
e que nos mostra quem passa
apenas por lá passar
 
um tempo de ter presente
mesmo quando estamos sós
que quem quer que passe em frente
da janela que abrirmos
de repente descobrirmos
ser gente
tal como nós.
 
– Jorge Castro
Dezembro de 2016

Camões e a calçada portuguesa

Só para não dizerem que não falei em flores… dar-vos ei razão e falarei de outra coisa qualquer. Que o quotidiano está aí, anda à nossa volta e não há arte maior do que lhe dar olhos de ver.

pisoteia ela a calçada
alto o salto
esbelta a perna
e o salto alto penetra
no canal lacrimejal
de quem foi grande poeta
mas jamais acidental
que ocidental era a meta

a ranhura que era fina
finória e sem ter largura
deu de si – perdeu a sina
e cresceu em desmesura
por tanto
e tanta mais treta
o salto alto penetra
naquele olho do poeta

e o artista ligeiro
corre e salta pressuroso
p’ra não dizer altaneiro
actualizando o ficheiro
que parece insidioso
assim de olho esburacado

com martelo e martelada
tira e põe pedra a preceito
aconchega e põe a jeito
o sem-jeito da calçada

e quase sem dar por nada
pedra a pedra martelada
espanto que já nem cala
varrido que é o restolho
ali nasce em quase-nada
no poeta sobre um olho
o negrume de uma pala… 

– Jorge Castro

um pássaro antigo nos olhos…

… que voa, ainda, imponderável mas consistente, pelas mãos de Alice Duarte.  
 
Lá estarei, com honrarias de co-prefaciador, a meias com o bloguístico Herético, a trilhar os caminhos dos afectos que, mais do que quaisquer outros, se fazem caminhando.
 
Apareçam. Assegura-se um elementar momento poético!

um país que perdeu quase tudo…

Não sendo meu hábito, mas porque o texto merece uma séria reflexão de todos, aqui reproduzo, com a devida vénia, um texto de Nicolau Santos, publicado no Expresso Curto:

Por Nicolau Santos 

21 de Novembro de 2016 

O país que perdeu quase tudo sem dar por isso 
Bom dia. Este é o seu Expresso Curto, cada vez mais de olhos em bico, seja por causa de um banco, de umas eleições, de umas revelações, das pensões ou do diabo, que não arreda pé da política nacional.

O país amanhece hoje com mais um banco controlado por capitais chineses. O grupo privado Fosun passa a deter 16.7% do capital do BCP, tornando-se o maior acionista individual, através de uma operação de aumento de capital, pelo qual paga 175 milhões de euros. Fica aberto o caminho para chegar aos 30% e conta já com a luz verde do BCE para esse efeito. Também os direitos de voto vão subir do atual limite de 20% para 30%. A entrada dos chineses mereceu o acordo dos outros principais investidores, nomeadamente os angolanos da Sonangol e os espanhóis do Sabadell. A Fosun já controla a companhia de seguros Fidelidade e a Luz Saúde. Mas a entrada no BCP far-se-à através de uma entidade chamada Chiado.

O negócio é excelente para o banco, que precisava de estabilidade acionista e de aumentar capital, até porque ainda deve 700 milhões ao Estado da ajuda que recebeu durante o período da troika. Mas… o BCP é o maior banco privado português. A EDP é a maior empresa elétrica do país. A REN – Redes Elétricas Nacionais gere as principais infraestruturas de transporte de eletricidade e de gás natural. A ANA controla todos os aeroportos nacionais. A TAP é fundamental na captação de turistas para o país. Todos foram vendidos ou estão concessionados a investidores estrangeiros, assim como o porto de Sines (detido pela PSA de Singapura) e todos os outros (Lisboa, Setúbal, Leixões, Aveiro e Figueira da Foz, controlados pela empresa turca Yilport).

Ora um país que não controla os seus portos, os seus aeroportos, a sua energia (quer a produção quer a distribuição) nem o seu sistema financeiro na quase totalidade (escapa a CGD) é seguramente um país que terá no futuro cada vez mais dificuldades em definir uma estratégia nacional de desenvolvimento.

Provas? A TAP quer comprar oito aeronaves para fazer face à procura crescente resultante das rotas que abriu para os Estados Unidos mas a ANA responde-lhe que não tem espaço para o seu estacionamento no aeroporto Humberto Delgado. Na verdade, os franceses da Vinci, que controlam a ANA, deveriam ter já arrancado com a construção de um novo aeroporto porque o número de passageiros na Portela está muito próximo do limite definido no acordo para que esse passo seja desencadeado. Mas preferem a solução Portela mais Montijo, que lhes sai mais barata e que só deverá estar pronta dentro de três anos, a construir um novo aeroporto, uma decisão obviamente de importância estratégica para o país.

Mais provas? Como se disse, o porto de Sines foi concessionado à PSA de Singapura. Ora, os chineses estão interessados em Sines, onde se propõem aumentar os cais e as plataformas de apoio, mais uma plataforma industrial para montarem os produtos cá e obterem o “made in Portugal”, podendo assim entrar sem problemas no mercado europeu. Só que a PSA de Singapura opõe-se e faz valer a sua opinião por ser dona da concessão. E as autoridades portuguesas pouco podem fazer porque infraestruturas deste tipo são únicas: não se podem construir outras ao lado.

É este o Estado que temos: sem poder para mandar naquilo que é verdadeiramente essencial para definir uma estratégia de desenvolvimento. E o que é espantoso é que quase tudo tenha acontecido em tão pouco tempo (entre 2011 e 2015, pouco mais de quatro anos) e que estivéssemos tão anestesiados que o não conseguíssemos evitar.