olha, é dia do beijo…

Destas manias desvairadas de se criarem dias de qualquer coisa por dá cá aquela palha, este caiu-me no goto. Então, sai uma quadra a propósito, esperando que todos façam o favor de ser felizes, beijando-se muito:
da
comissura dos lábios
acendeste-me
o desejo
de
te contar sonhos sábios
no
improviso de um beijo
– Jorge Castro

limpezas

– a propósito da investigação jornalística a que se chamou Panama Papers , de que já todos
sabíamos, mas da qual nunca sabemos nada
lavam o dinheiro
sanguessugado
como Pilatos lavou as mãos
e enxugam-no na toalha do nosso
desinteresse
o seu riso alvar de gozo
nem tropeça
naquela criança ranhosa de choro
a quem uma explosão de ódio
matou a mãe
estropiou o pai
e já não tem mais nada a que se possa
chamar humanidade
lavam o dinheiro
e riem-se de ti
de nós
pobres crentes pagadores
de promessas
e de impostos
como se assistissem a um circo de
pulgas
no desespero dos seus saltos sem
sentido
lavam o dinheiro
e não têm pátria nem chão
nem cores de arco-íris que lhes animem
um olhar
têm um negrume apenas
que os rodeia
e nos impede de lhes definir os contornos
mas todos sabemos onde moram
onde estão
com quem se dão
e
ainda assim
não os conhecemos
mas eles
sim
conhecem-nos bem demais
a todos
e
assim
continuam a lavar o dinheiro
com que nos matam.

mas que merda!

Nota (que não tem nada a ver com isto… ou talvez não):

Carais! Só para contrariar e redescobrir as cores do arco-íris, irei hoje participar em jantar de homenagem a Hélder Costa, na Associação 25 de Abril, pelas 20 horas. 
Que venha, também, quem vier por bem!

em que dia é dia de poesia?

Porque cultivo, da arte poética, o ser também sinónimo de outro modo de ver, olhando, presumo também o exercício poético como coisa diária, permanente, ainda que sempre mutável. Assim, sendo, um dia da poesia ocorre quando um outro olhar nos é suscitado no decurso de algum dia, isto é, sempre. 
Ainda assim, comemorável. Sempre!


Mais uma receita para ser poeta


quem quiser ser bom poeta
deve morrer muito cedo
tal como nos fez Ruy Bello
e melhor Cesário Verde
deve deixar os seus versos
de perturbar cidadãos
mas evitar o estar vivo
e habitar o mesmo chão
das palavras com que agride
as certezas da razão

poeta bom é calado
que disse o que disse em tempos
lá longe e que já lá vão

hoje dizendo o que diga
um poeta além do sonho
é sempre a mesma cantiga:

sonhar desperto é medonho!

– Jorge Castro
22 de Março de 2016