Carcavelos é a minha praia. Não no sentido figurado em que a expressão tem vindo a ser utilizada, mas no sentido literal. Dois ou três quilómetros de distância é quanto preciso de percorrer para desfrutar do melhor areal do concelho de Cascais, pelo que não posso deixar de me sentir um privilegiado. 
E quando me esqueço de tal, lá vem o IMI a lembrar-mo. Não que as demais infraestruturas sejam de espavento. Na verdade há mais e melhor por esse país fora. Também não tenho graaaandes razões de queixa… mas o que é verdade é que esta magnífica proximidade ao mar nos traz outras ânsias de navegar.
Como é evidente, não sou eu o único a ter essa opinião e por isso, desde inícios de Julho até meados de Agosto é ver a imensidão de «romagens» de autocarros carregados de criancinhas vestidas ora de amarelo, ora de verde, ora de vermelho, etc., enxameando a praia, sob o olhar tutelar de meia-dúzia de jovens, e provenientes de tudo quanto é localidade da Grande Lisboa. 
Não sei se a autarquia colhe algum benefício com o imenso negócio instalado, mas o certo é que eu , munícipe pagador de IMI de zona privilegiada, passei a ter a minha qualidade de vida balnear algo perturbada por esta circunstância.  
Enfim, malhas que o império tece, direi, tal como entretece na praia, pelo menos desde Janeiro do corrente ano, incontável maquinaria pesada, os seus rodados na areia.
Deve ser para meu bem, claro, que eu, nestas coisas, acredito sempre que há-de haver alguém, algures, a zelar pelos meus interesses, mesmo que eu não saiba quais eles sejam. Mas a verdade é que mais me parece que algum estaleiro de construção civil enviou para ali os seus aprendizes de condução de escavadoras, bulldozers e outros machimbombos, para melhoria de práticas, acartar toneladas de areia de um lado para o outro, sem objectivo aparente, todos os dias de todo o ano.
Ele é um afã, uma correria, um labor de abelha-formiga, de um lado para o outro, sem que eu, do alto da minha ignominosa ignorância, consiga perceber qual o objectivo da coisa, para além do dispêndio óbvio de rios de dinheiro… que devem ser públicos, digo eu. 
Cuidei que fosse apenas durante o inverno e primavera, para preparar a bela praia para o verão e para os veraneantes. Mas não. Continua verão fora e já estamos em meados de Setembro, numa arquitectura na areia que é coisa de pasmar.
Mas é uma chatice, porque esmagam as conchinhas todas que a maré-cheia nos traz e com que tantos de nós se entretêm, nas suas passeatas areal fora, a colher. Talvez compensar com outra máquina, atrás, a atirar conchinhas inteiras para o areal. Aqui fica, à consideração superior… 
Entretanto, o mar que é, seguramente, uma força de bloqueio, todos os dias subverte estes arranjos desarranjados no areal. É uma impertinência! E, então, quando chegam as marés vivas, nem vos conto! O que vale é que lá estão as máquinas, no dia seguinte, a providenciar novo restauro.
Eu julgava que – tirando as estultícias da construção civil à balda – as praias tinham uma «respiração» própria, umas vezes com mais areia e outras menos. Mas, pelos vistos, não, há que redistribuir o jogo em cada dia que passa, e dir-se-ia neste caso, com toda a propriedade, contra ventos e marés… 

Também deixei de perceber a política de colocação dos caixotes do lixo para educação e benefício dos utentes e que estão sempre a várias centenas de metros dos locais onde apanham sol esses mesmos utentes, no areal escaldante (ver as setas a vermelho, na imagem acima – eh, pá, nem te vejo…), quando eles e eu precisamos de vazar o entulho particular. E nem sequer estão próximos dos locais de acesso à praia, pelo que devem inserir-se numa campanha apoiada pelas tais entidades superiores no sentido de promoverem o exercício físico junto da população – o que, a ser assim, acho pois muito bem.
A mim, então, que me incomoda sobremaneira o mínimo vidro partido, qualquer que seja o areal, e que recolho afanosamente, a bem do meu pé desprotegido e do do camarada concidadão incauto, vejo-me aflito para despejar todos os fragmentos que encontro – vá lá saber-se se não porfiadamente esmagados pela maquinaria pesada que se referiu – e desgasto-me num corre-corre aos sacos de lixo, o que me deixa esfalfado e de pés a arder. Podia guardá-los no bolso do fato de banho… mas sempre seria um risco acrescido.
O que vale é que descobri que também passam levas sucessivas de jovens, com redes e luvas e tudo e, até, funcionários da câmara, sistematicamente ao longo da praia, a apanhar o lixo que os utentes e o mar nos vão trazendo.  
Agora já sei: quando apanho um daqueles vidrinhos, em vez de me esfalfar e escaldar até aos caixotes do lixo, colecciono-os na minha toalha e entrego a recolecção aos limpadores da praia, quando algum passa por mim, o que acontece amiúde, e muito mais próximo do que os caixotes do lixo. Isto, sim, é um trabalho limpo e até ajudo os moços a apresentarem serviço…  
Enfim, para que não se diga que estou só no bota-abaixo, aqui fica uma sugestão colhida junto do senhor dom infante Henrique: e que tal dedicarmo-nos todos à pesca? Realmente, ali sempre a olhar para o rio…
– fotografias de Jorge Castro