O chão é o nosso. Aquele que trilhamos nos caminhos que soubemos construir. A aventura é sempre possível e as interrogações sobre o futuro transformam-se em certezas, no presente, a cada passo dado. 
O 25 de Abril de 1974 foi um passo como esse, dado em uníssono e compassadamente por quem teve artes de interpretar a História em determinado momento das nossas vidas e, assim, elas encheram-se de liberdade, por tantos tão longamente ansiada.   

Um cravo vermelho foi o símbolo encontrado para tal momento. Poético símbolo, contraponto feliz a rematar o cano de uma G3, em poucos lugares do mundo se teria o golpe de asa de instituir uma flor como símbolo de uma revolução. Mas nós fizemo-lo.

As nossas vozes libertaram-se, como as nossas mentes, a nossa criatividade. O espírito solidário, também. O companheirismo, de mãos dadas com tanta ingenuidade, impulsionada por tanta premência na busca de novos horizontes, ainda assim e todos juntos não foram capazes (ainda?) de construir o Portugal mais justo e solidário que buscamos. E são já passados 40 anos desse Abril.
Aprendemos a cantar melhor juntos e ficamos mais cientes de que o povo é quem mais ordena. Mas as nossas vozes embatem contra novos muros de silêncio e de opressão…      

Nesta nossa sessão sobre O 25 de Abril, Hoje, contámos com a presença do grupo de cante alentejano de Tires, Estrelas do Guadiana, na sua abertura, que nos trouxe ao terreno bem querido dos afectos, do combate por causas, da homenagem ao ser solidário que o homem é, para assumir plenamente a sua dimensão universal. Como bem se poderá adivinhar, a sua actuação culminou com Grândola, Vila Morena, cantado em coro por todos os participantes na sessão.   

O nosso convidado: Vasco Lourenço. Figura imprescindível do Movimento dos Capitães e de toda a envolvente de Abril e dos alterosos tempos que lhe sucederam, foi o testemunho vivo e presente desse passado que todos pretendemos manter como ponte para o futuro.
Ao apresentar o coronel Vasco Lourenço, pouco mais me competiu do que invocar a memória dos presentes, através do meu exemplo, referindo o quanto me sinto devedor ao Movimento dos Capitães de Abril: era, então, eu um jovem de 22 anos, de futuro mais do que circunscrito, amante da minha terra mas absolutamente convicto da insensatez e perversidade da guerra colonial, sendo ela apenas uma das múltiplas facetas hediondas de um regime torcionário, que eu repudiava por inteiro, mas sem horizontes de mudança.

Actualmente como presidente da Associação 25 de Abril, Vasco Lourenço encheu-nos, então, a sala com a sua costumeira frontalidade e determinação, aliadas a convicções sem papas na língua, como sói dizer-se, sustentadas nas asserções que nos transmitiu e cuja clareza é imbatível: uma voz opinativa de quem «se olha ao espelho sem sentir vergonha de quem vê» e representante de um grupo de cidadãos, em que se integra de corpo inteiro, que se orgulha de não se ter servido do poder – que substantivamente deteve – sem dele se servir em benefício pessoal.   

Respigo, a propósito, do livro-entrevista de Maria Manuela Cruzeiro – Vasco Lourenço – do Interior da Revolução (Âncora Editora, 2009) – o seguinte trecho do seu encerramento: 
«Seja-me aqui permitido aproveitar a oportunidade para afirmar a postura da generalidade dos militares de Abril: podemos ter cometido erros, podemos ter feito muitas asneiras, mas, no essencial, fizemo-lo convictos de que estávamos a fazer o melhor para o nosso povo, estávamos a defender as melhores soluções. Aquelas em que, de forma honesta, acreditávamos. Se errámos, fizemo-lo por razões diversas, talvez até por incompetência, não o fizemos, contudo, por oportunismo. O futuro demonstrou-o e, por isso, foi possível mantermo-nos amigos e continuarmos a respeitar-nos uns aos outros, passadas as horas da turbulência, como aconteceu, por exemplo, entre mim e Vasco Gonçalves. 
Por isso, os militares de Abril, de uma forma geral (há sempre excepções), podem olhar para o espelho e não se envergonharem. O que, infelizmente, não acontece com os outros grupos intervenientes na revolução e na política. A diferença entre servir ou servir-se, entre lutar por valores ou por interesses. E, por isso, embora desgostosos com o evoluir da situação, apesar de todos os desgostos e desilusões, continuamos a não nos arrepender, continuamos a considerar que valeu a pena!»

Dissertando sobre episódios passados associados a esse momento épico,  Vasco Lourenço projectou no futuro o espírito de Abril. E se é certo que esse momento é irrepetível, não é menos certo de que ele é um exemplo maior e um esteio para os combates que o futuro nos suscita. 

No período de perguntas e respostas que se seguiu – de que apenas se lamenta alguma tendência para o olhar sobre o passado mais do que inspiração para o futuro – houve, entretanto, algum espaço para definição de algumas interrogações prementes que se nos colocam sobre o rumo para que a sociedade portuguesa está a ser conduzida. 

– Hélio Proença

E se não deparámos com soluções tiradas de cartolas mágicas, a simples enumeração de muitas das questões que se nos colocam, no presente, comportou a margem de desafio e de subversão que são inerentes ao espírito de cidadania que nos irmana.   

Foi depois chegado o momento de «pagarmos» ao convidado, em forma de poemas, a sua disponível generosidade ao aceitar o nosso convite. Como habitualmente, dei o mote e o exemplo para o início, que foi profusamente sequenciado:  

– João Baptista Coelho

– Carlos Gaspar
– Vasco Lourenço

– Eduardo Martins

– Emília Azevedo
– Ana Freitas
– Rosário Freitas

– Isabel Figueira

– David Silva
Mário Baleizão
– Carlos Pedro

– José Colaço

– Jorge Castro, com o apoio do livro de Carlos Pedro, Ó Simpático, Vai Um Tirinho? 

Por fim, Heloisa Monteiro (guitarra e percussão) e Mário Piçarra (voz e guitarra) trouxeram-nos o espírito de Abril em canções que Abril nos deu – e que também entoámos em coro -, legado maior deste povo que (ainda) canta!
O encerramento, sempre constituído pelo estabelecimento dessas pontes que promovem futuras iniciativas e outros tantos desafios. 
De cravos estivemos rodeados. E de Abril, sempre!  

– Fotografias de Lourdes Calmeiro