O tempo voa  e voando arrasta as nossas vidas. Há nele sempre um tempo para tudo, até para o descanso tão necessário, aquele dolce far niente que tem artes de nos redimir com quase tudo… 
Chegou Janeiro, cheio de frio e com a graça dos deuses – esses mesmos, os das coisas pequenas, com que nos transcendemos. Por cá, com jeitinho e vontade de acordar, talvez se vislumbrem ainda as celebrações de antanho a festejar o solstício.
E assim fui, em 05 de Janeiro, assistir ao concerto do CRAMOL, na Igreja Matriz de Oeiras, sempre uma coisa de nos fazer crescer asas nos pés, elevando-nos sem riscos de queda, que aquele mulherio faz-nos sempre voar alto e bem. 

Logo depois, em hábito que se vai enraizando ano após ano, lá fomos ruas afora, pelo velho centro da vila, cantando as Janeiras, mesmo se poucas portas ou janelas se abrissem… Se calhar, também, porque toda a população já estivesse na rua…

Janeiro intenso, calcorreando o areal de Carcavelos, o mais belo do concelho de Cascais e arredores, com a presença tutelar do Forte de São Julião da Barra, dia após dia sem que o horizonte nos canse ou sem que a paisagem magnífica das nuvens se repita.

Esses passeios pelo areal, invariavelmente acompanhados por passaredo migratório, às vezes já residente, porventura por ter sucumbido, também como nós, à beleza da paisagem, como à garantia do sustento.

E Janeiro lá prossegue, dia a dia, com denodo. Chegados a dia 09, hora de fazer as Tempestades no Cantarinho, no restaurante Al Cântaro, em Lisboa, pela mão da Fernanda Frazão, sempre amiga e sempre presente, em sessões de desvairada temática, servidas à mesa, iniciadas a faca e garfo e rematadas com a força da palavra ou do argumento, que mais não é que um encadeado de palavras onde julgamos plantar algum nexo.   

A Tempestade de Janeiro foi de me dar a vez. Levei até lá Alguns Poemas de Graça, espraiando-me pelos catorze anos que já me leva esta saga de ajuntar palavras, afecto a afecto vividas, sessão a sessão ditas, livro a livro escritas.

Depois, chegados ao dia 12, o rumo foi Coruche, também já destino habitual. Ana Freitas e todos os amigos de Um Poema na Vila receberam-nos com o costumeiro abraço e deram as boas vindas, em sessão sobre a Poesia Popular… 

… na Biblioteca Municipal (dita do Mercado)…

… contando ainda com a mestria e os saberes do professor José d’Encarnação, que aceitou trilhar estes caminhos tão afastados na geografia como próximos dos afectos, por trilhos, veredas, ruas e avenidas onde o tal saber que não ocupa lugar não deixa, entretanto de nos encher o coração. 

E como se não bastasse, eis que surge José Fanha, acompanhado por Daniel Completo, dando a todos os ares da sua graça e abrindo aquelas portas que Abril abriu e por onde tanto me apraz passar quando o momento se ajeita, em
procuras intermináveis da liberdade que temos e da liberdade que somos.

 

Eis chegado o dia 15. Um dia de férias metido a propósito para dar um salto até Abrantes e apurar o que há tanto tempo não via. De súbito…

… mesmo no centro da povoação, uma exposição de escultura que se
iniciava na rua e remetia para interiores desconhecidos, conduziu-me até uma digníssima Biblioteca Municipal,
cujo nome homenageia António Botto, erigida no antigo Convento de São Domingos, através da intervenção do arquitecto Duarte Castel-Branco.
Permitam-me um destaque: se passarem por Abrantes visitem este edifício. Não sei o que se passará convosco. Eu sei que fiquei embevecido… e ainda cheguei a perguntar a quem por lá vi se não seria possível dotar aquele espaço com umas rodinhas e rebocá-lo até terras de Carcavelos. Mas não, não era possível, lamentavelmente.

Da exposição que preenchia bom espaço da Biblioteca, deixo-vos um nome que, do alto da minha ignorância, eu desconhecia, confesso, mas pela obra do qual me passeei com o maior agrado: Santos Lopes e os seus Quarenta Anos de Escultura

… de quem vos deixo um muito pálido testemunho da beleza da exposição (IsadoraMomento 9: «se fecho os olhos, posso ouvir o som duma completa sinfonia e dançar» – Da série Isadora Duncan – 1984, bronze) .
Mas deixo-vos também esta sempre recriada sensação de que há tanta gente a FAZER tanta coisa que seria tão bom que nós todos conhecêssemos e, tantas vezes, apenas por um fortuito tropeção do acaso, vislumbramos. Pensarmos, logo depois, em quanto mais desperdiçamos por desconhecimento… Ou, pior, não percebermos porque se desconhece tanto…

Uma constante de quem ainda possa aventurar-se em algumas «avarias» desvairadas, a busca de um restaurante que vá com a nossa carteira, mas que tenha também artes de nos transportar ao bom sabor dos velhos tempos.

E tive, ou melhor, tivemos sorte. Ou nariz, que sempre ajuda. O restaurante é o Santa Isabel, ali perto da Biblioteca. As entradas, as que se podem vislumbrar acima e, depois, umas enguias fritas muito frescas acompanhadas com uma açorda de ovas… Só mesmo experimentando! Tenham paciência, mas não sobraram para vos trazer. Talvez para a próxima. 

A boa companhia nem deu para sofrer esperas, as quais, aliás, nem foram nada de cuidado. E saímos ambos assim-como-quem-diz: quando viermos a Abrantes eu já te digo…

Mas a ida a Abrantes prendia-se, afinal, com uma sessão evocativa a António Feio, por convite de Carlos Peres Feio, o seu (dele) mano mais velho, acompanhado por José Proença de Carvalho, que decorreu na EPDRA – Escola Profissional de Desenvolvimento Rural de Abrantes (situada na povoação de Mouriscas) e com organização local do professor Hugo Sampaio.

Outro universo diverso, dir-se-ia, onde, através dos poemas que nos trouxeram a companhia sempre viva de António Feio, descobrimos, não sem surpresa, uma plateia atenta e interessada, com a graça não prevista de ser proveniente dos quatro cantos do mundo onde se fala Português.

Esta a equipa que ficou na fotografia. Mas a imagem das «bancadas» dar-vos-ia uma visão muitíssimo mais alargada.

E pronto, lá cheguei (chegámos) a mais uma sessão das Noites com Poemas. Pouco mais de metade de Janeiro decorrido – estávamos a dia 17 – e fomos, pela mão ilustre, tranquila e sapiente de Manuel Dias Duarte

… apoiado com não menor sapiência pelo professor António Monteiro, no nosso poiso costumeiro, a Biblioteca Municipal de Cascais em São Domingos de Rana, passeando pelas vidas e obras de filósofos pré-socráticos ilustres…

… tendo todos nós a honra de assistir ao lançamento, em primeira mão, da obra com o mesmo nome, da autoria do nosso convidado, como em entrada anterior se anuncia mais em pormenor.

Isto, indo o mês a pouco mais de meio e desdobrando o tempo com uma actividade profissional, em tudo diversa destas lides, e a tempo inteiro. Enfim, o tempo também pode render-nos. Vaidades? Com certeza. Mas, como digo lá para o início, tenteando assim um sentido para a vida…

Um abraço sublinhado para quantos me vão acompanhando nesta luta – é luta, não é…? – de quem destacaria, por não estarem ainda nomeados, o Eduardo Martins e o Francisco José Lampreia. Se calhar é mesmo pelo sonho que vamos…
– Fotografias de Lourdes Calmeiro, José Cordeiro – aquele abraço ! – e Jorge Castro