… Manuel Alegre enviou para o DN o poema que dedicou ao escritor e seu amigo.
Rodrigues
No dia 9 de Agosto de 2013
houve uma vaga de calor. De certo modo
ele morreu dentro de um seu romance-
Não foi notícia de abertura. Os telejornais
mostraram mulheres gordas em Carcavelos
e um sujeito pequenino (parece que ministro)
a falar de “cultura política nova.”
Mais tarde este dia será lembrado
como a data em que morreu
Urbano Tavares Rodrigues.
Manuel Alegre
Lisboa, 9/8/2013
Nos países subdesenvolvidos, a arte (literatura, pintura, escultura) entra quase sempre em conflito com as classes possidentes, com o poder instituído, com as normas de vida estabelecidas. Em revolta aberta, o artista, originário por via de regra da média e da pequena burguesia ou mais raramente das classes proletárias, contesta o statu quo, propõe soluções revolucionárias ou, quando estas não podem sequer divisar-se, limita-se a derruir (ou a tentar fazê-lo pela crítica, violenta ou irónica) o baluarte dos preconceitos, das defesas que os beneficiários do sistema de produção ergueram contra as aspirações da maioria. Nas sociedades industriais mais adiantadas, o artista pode permanecer numa atitude idêntica de inconformismo; porém, os resultados da sua actividade de criação e reflexão tornam-se matéria vendável e, nalguns casos, matéria integrável.
O consumo do objecto artístico, seja ele o livro, o quadro ou o disco, quando feito sob uma tutela de opinião,que os meios de comunicação de massa, em escala larguíssima , exercem, torna-se, senão totalmente inócuo, pelo menos parcialmente esvaziado do seu conteúdo crítico. Despotencializa-se. Amolece. É o que se verifica, por exemplo, em boa parte, nos Estados Unidos. A ideologia repressiva da liberdade no mundo capitalista monopolista torna-se tanto mais perigosa quanto aborve, ou procura absorver, as próprias formas políticas de exercício das liberdades ditas essenciais, quando aceita no seu seio o escritor, acusador iconoclasta por natureza, recuperando-o em banho asséptico, limando-lhe os dentes. Mas, entendamo-nos, nem sempre o artista se dá conta dessa operação, até porque nem sempre, de facto, é ele próprio o paciente da operação que lhe reduz a perigosidade, senão que o é, sim, a sua obra, a qual, pelo poder diminutivo de uma dada comercialização, se rectifica.
Urbano Tavares
Rodrigues, in “Ensaios de Escreviver”
Claro que um espírito assim só pode fazer-nos falta. Uma incomensurável falta…