“Vossa Excelencia,
Voltei para a cidade onde continuei o meu percurso: andei numa creche em Aldoar, freguesia do Porto e no Patronato de Santa Teresinha; frequentei a escola João de Deus durante os primeiros 4 anos de escolaridade, o Grande Colégio Universal até ao 10º ano e a Escola Secundária João Gonçalves Zarco nos dois anos de ensino secundário que restam. Em 2008 candidatei-me e fui aceite na Escola Superior de Enfermagem do Porto, como referi, tendo terminado o meu curso em 2012 com a classificação de Bom. Nunca reprovei nenhum ano. No ensino superior conclui todas as unidades curriculares sem “deixar nenhuma cadeira para trás” como se costuma dizer.
Pergunta agora o senhor por que razão estarei eu a contar-lhe isto. Eu respondo-lhe: quero despedir-me de si. Em menos de 48 horas estarei a embarcar para o Reino Unido numa viagem só de ida. É curioso, creio eu, porque a minha família (inclusive o meu pai) foi emigrante em França (onde ainda conservo parte da minha família) e agora também eu o sou. Os motivos são outros, claro, mas o objetivo é mesmo: trabalhar, ter dinheiro, ter um futuro. Lamento não poder dar ao meu país o que ele me deu. Junto comigo levo mais 24 pessoas de vários pontos do país, de várias escolas de Enfermagem. Somos dos melhores do mundo, sabia? E não somos reconhecidos, não somos contratados, não somos respeitados. O respeito foi uma das palavras que mais habituado cresci a ouvir. A par dessa também a responsabilidade pelos meus atos, o assumir da consequência, boa ou má (não me considero, volto a dizer, perfeito).
Esse assumir de uma consequência, a pro-atividade para fazer mais, o pensar, ter uma perspetiva sobre as coisas, é algo que falta em Portugal. Considero ridículas estas últimas semanas. Não entendo as manifestações que se fazem que não sejam pacíficas. Não sou a favor das multidões em protesto com caras tapadas (se estão lá, deem a cara pelo que lutam), daqueles que batem em polícias e afins. Mais, a culpa do país estar como está não é sua, nem dos sucessivos governos rosas e laranjas com um azul à mistura: a culpa é de todos. Porquê? Porque vivemos com uma Assembleia que pretende ser representativa, existindo, por isso, eleições. A culpa é nossa que vos pusemos nesse pódio onde não merecem estar. Contudo o povo cansou-se da ausência de alternativas, da austeridade, do desemprego, das taxas, dos impostos. E pedem um novo Abril. Para quê? O Abril somos nós, a liberdade é nossa. E é essa liberdade que nos permite sair à rua, que me permite escrever estas linhas. O que nós precisamos é que se recorde que Abril existiu para ser o povo quem “mais ordena”. E a precisarmos de algo, precisamos que nos seja relembrado as nossas funções, os nossos direitos, mas, sobretudo, principalmente, com muita ênfase, os nossos deveres.
Porém, irei partir. Dia 18 de Outubro levarei um cachecol de Portugal ao pescoço e uma bandeira na bagagem de mão. Levarei a Pátria para outra Pátria, levarei a excelência do que todas as pessoas me deram para outro país. Mostrarei o que sou, conquistarei mais. Mas não me esquecerei nunca do que deixei cá. Nunca. Deixo amigos, deixo a minha família. Como posso explicar à minha sobrinha que tem um ano que eu a amo, mas que não posso estar junto dela? Como posso justificar a minha ausência? Como posso dizer adeus aos meus avós, aos meus tios, ao meu pai? Eles criaram, fizeram-me um Homem. Sou sem dúvida um privilegiado. Ainda consigo ter dinheiro para emigrar, o que não é para todos. Sou educado, tenho objetivos, tenho valores. Sou um privilegiado.
E é por isso que lhe faço um último pedido. Por favor, não crie um imposto sobre as lágrimas e muito menos sobre a saudade. Permita-me chorar, odiar este país por minutos que sejam, por não me permitir viver no meu país, trabalhar no meu país, envelhecer no meu país. Permita-me sentir falta do cheiro a mar, do sol, da comida, dos campos da minha aldeia. Permita-me, sim? E verá que nos meus olhos haverá saudade e a esperança de um dia aqui voltar, voltar à minha terra. Voltarei com mágoa, mas sem ressentimentos, ao país que, lá bem no fundo, me expulsou dele mesmo.
Não pretendo que me responda, sinceramente. Sei que ser político obriga a ser politicamente correto, que me desejará boa sorte, felicidades. Prefiro ouvir isso de quem o diz com uma lágrima no coração, com o desejo ardente de que de facto essa sorte exista no meu caminho.
Cumprimentos,
Pedro Marques”
um murro no estômago da nossa (?) indignidade…
abraço