Ele há destinos e destinos. Para mim, Miranda do Douro contém sempre qualquer coisa de «regresso às origens», mesmo que as origens de que aqui se fala sejam as dos afectos, da vagabundagem da meninice, daquele tempo áureo em que cada dia e cada minuto se grava em nós indelevelmente para a vida toda. 
Depois, percorrer uma e outra vez os caminhos preenchidos pelas evocações….

… relembrar bichezas conhecidas de que já se nos esvaem contornos precisos…

… que percorreram e preencheram aqueles caminhos de infância, mas que por sorte nossa e cuidados de alguém, ainda por lá se mantêm, em cada lameiro escondido, em cada recanto recôndito.

A pequena ave que compôs episódios exemplares que ficaram para a vida toda – lembram-se do pintassilgo que «suicidou» os filhos engaiolados? – …
… ou a águia pairando sobre tudo e sobre todos, cujo voo tinha artes de silenciar e fazer estacar, mais junto à terra, tudo quanto era ser vivente potencial refeição… 

Mas banquetearmo-nos, logo a seguir, com uma excelente costeleta de porco bísaro, de comer e chorar por mais…

… ajudando à sua digestão um périplo por locais rejuvenescidos…

… ou por outros de imagem e circunstância mais perenes…

… de algum modo, também, como elementos basilares ou verdadeiros pilares da nossa memória.

Miranda do Douro lá está, sempre à nossa espera, pronta para nos surpreender com o seu linguajar característico, que me traz uma nostalgia que não sei, sequer, disfarçar.

E lá vem o encontro de velhas amizades, o convívio em boa hora proposto…

… dos antigos alunos do Externato de São José, onde parece que as horas passaram depressa demais para serem verdade.

Como em anos anteriores, a recepção no salão nobre da Câmara Municipal, entre discursos de circunstância…

… alguns cerimoniais quase obrigatórios…

… mas muita relembrança do tempo matricial onde os nossos caminhos se cruzaram.

A diferença de idades vai-se diluindo…

… entre dois dedos de «olha lá, lembras-te daquele dia em que…?»…

… e as evidências sempre à mão de semear, mesmo se em diversas versões, pois assim somos feitos.

Depois, comer-lhe e beber-lhe, sendo que a ordem dos factores pode e deve ser arbitrária, tal como a sequência de evocações.

Como pano de fundo, Miranda do Douro, entardecendo…

Como sempre, também, o cerimonial jantar sem cerimónias…

… onde há, contudo, sempre algo de novo a celebrar…

… para gáudio e enlevo de todos.

Aos poucos, ensaia-se o cunho identitário de uma cultura que sabe manter-se de uma integridade invejável e talvez nerecedora de alguma atenção por quem pratica outros desvarios «globalizantes».

Os sorrisos ali estão, dir-se-ia de pedra e cal, não fora a alma que os anima.

Os abraços vêm sempre a propósito…

… bem como os discursos, ditos a preceito, em mirandês, mesmo com arremedos do microfone que esteja mais à mão. 

A atenção, mais do que muita, dos circunstantes prova, afinal, a firmeza dos enlaces…

… que a música desgarra e entusiasma.

E porque não haveria lugar à poesia em tão aprazível encontro se, para cúmulo, ela se fez acompanhar por mavioso violino, que tanto ajudou a dar outra cor às palavras?

Para, logo mais, serem ditas a duas vozes e duas línguas, ainda que com ânimo idêntico.

A imponência do bel-canto antecede, então,…

… o lógico corolário do canto a múltiplas vozes, que se encontram e se entendem, como remate de uma bela sessão de convívio.
Miranda yé la mia tiêrra… i se nun fosteis cumo hables de saber l que perdesteis?

– Fotografias de Jorge Castro e de Lourdes Calmeiro