(Deixo uma história, em forma de poema, em versão adaptada por mim a novas realidades e a outros tempos…)

no Jardim do Nunca
todos os capitães fazem ganchos
todas as Sininhos tocam a rebate
todos os crocodilos soltam lágrimas pelas horas mal passadas
e pelos estômagos a dar horas

no Jardim do Nunca
Peter Pan é uma imitação de mineiro
que esgravata galerias pelas entranhas da Terra
buscando-lhe o centro
e pretende desesperadamente encontrá-lo
para nele se sentar a descansar para o resto da vida

no Jardim do Nunca
tudo é o que não parece
e sempre é uma palavra proibida
pelo medo liminar de que aconteça

no Jardim do Nunca
todas as crianças nascem cheias de idade
de rugas
e de preconceitos
e vestem-se de cinzento
nos dias mais enevoados
para se confundirem com as sombras esbatidas
dos acinzentados edifícios
onde há sempre Meninos Perdidos
porque as forças da ordem nunca os irão encontrar

no Jardim do Nunca
as únicas sombras são as imaginadas nas neblinas
criadas pelos incêndios das florestas
que pairam sobre os lagos obscuros de mistérios
onde se diluem impérios nebulosos e equívocos desejados

no Jardim do Nunca
umas poucas sereias e outros tantos piratas
pairam em algumas esquinas de má-fama
onde se fala de fado e de saudade
e vontades de seguir fabulosos Peter Pan
que consta que voam mas nunca ninguém o pôde confirmar
porque o único de que se tem conhecimento
vive soterrado esgravatando em busca do centro da Terra

no Jardim do Nunca
os índios vagueiam perdidos
cavalgando os seus cavalos de pau e caruncho
em busca da tribo a que já não pertencem
e dos territórios das grandes caçadas ancestrais que já não existem

no Jardim do Nunca
tudo está parado
e ninguém pode fazer nada sem ordens precisas do Peter Pan
que anda demasiadamente ocupado
em imitações de mineiro buscando o centro da Terra
para nele se sentar a descansar para o resto da vida

no Jardim do Nunca
aguarda-se sempre
a nova dimensão da esperança
e a carapaça do medo persiste
de casca toda estalada
à espera de um novo alento de vida que a destrua…

– poema de Jorge Castro