– Preenchia o nosso dia com um sorriso e uma saudação nas ruas de Lisboa. Creio que se chamava João. Alto, braço no ar, com o seu sobretudo e o seu cachecol, nem na intempérie dava tréguas à sua missão. Na berma de um passeio qualquer da cidade, amiúde deparava eu com ele, com o seu sorriso e o seu adeus, inusitada ocorrência urbana mas simpática, que nos recordava ser a cidade um agrupamento de seres humanos, coisa de que andamos tão arredios… Conforme notícia dos jornais, parece que faleceu ontem. Mas muitos continuarão à espera de deparar com ele nalgum dos seus poisos habituais, sorrindo a quem passa…

Veja o João Manuel Serra AQUI.

quando os dias vão passando a acenar
a quem passa junto dele
só por passar
no presente que se escoa na cidade
lança ao ar como que um ar da sua graça
que não custa
nada mais por ser de graça
no sorriso que nos lança sem idade

junto à berma do passeio a mão no ar
ele entrega sem receio e sem pensar
o melhor que de si tem para nos dar

e o trânsito atrapalha-se ao aceno
daquele sinaleiro velho e seu ar terno
que sorri para nós por ali estar

pelo ar em voo solta a sua mão
aliado a um sorriso que é eterno
a afastar de si um mar de solidão

hoje foi notícia breve a tua morte
num jornal onde caiu o meu olhar
e a cidade parou
perdeu o norte
e ficou mais outonal
crepuscular

mas em cada esquina viva de Lisboa
onde o dia se atrofia e é mais pequeno
naquele bando de pardais que a sobrevoa
ali está – caro João – o teu aceno.

– poema de Jorge Castro