Manhã cedo, despertar. Quem é cliente habitual tem algumas prerrogativas. E como o meu poiso habitual é na Residencial A Morgadinha, tenho artes de poder disfrutar desta esplêndida vista sobre a albufeira da barragem de Miranda do Douro, da varanda do meu quarto.
Margem direita, Portugal; margem esquerda, Espanha. O céu por cima, ainda que, por fugaz momento, se possa imaginar, também, o céu por baixo…

Também da varanda se tem uma vista privilegiada para a Sé de Miranda, beijada pelo sol matinal, eespreitando o pormenor, o embarcadouro onde tomaremos o barco especial que nos levará, rio acima, até onde a albufeira for navegável, num passeio ecológico que faço sempre que lá vou e do qual nunca me enfastio.
Pequeno-almoço tomado – sempre com aquela magnífica vista sobre a albufeira, e rumámos aos meus lugares de meninice, agora redimensionados ao olhar adulto, mas onde o veludo gritante das papoilas mantém a sua consistência e uma multidão de bichinhos, bichos e bicharocos lá faz pela vida, pois, pelos vistos, para eles não era dia de férias…
Verifico, uma vez mais, com algum espanto e satisfação, que a nossa velha casa de madeira, cedida a meus pais pela Hidro-Eléctrica do Douro, lá pelos idos de 60 – e que era suposto apenas se aguentar uns dez anitos – lá se mantém, aparentemente para lavar e durar, ainda que sem a cercadura de cultivo que lhe conhecia quando a habitámos.
Os socalcos de xisto, que definiam as culturas – aqui alfaces, ali couves, além morangos, ao fundo batatas… – esses lá estão, bandeira de sólida construção, que o tempo parece não querer estragar.
Bem como a árvore, imensa, que sombreava a piscina das aventuras de juventude, e que já me pareceu ter ido desta para melhor, em anterior visita, agora me recebeu revigorada, com o verde a recobrir a galharia antiga e morta.     
O que não se altera na sua decadência é a (ainda) bela edificação que é a estação de caminhos de ferro de Duas Igrejas, com os seus interessantes painéis de azulejos, retratando usos e costumes da região.
A forretice do Estado Novo achou por bem terminar ali a linha de comboio, por ser o local dos silos cerealíferos, ao tempo da campanha do trigo, que abrangeu não só o Alentejo, mas também o planalto nordestino transmontano… e não estendeu a linha até Miranda do Douro, a escassa meia-dúzia de quilómetros!
Hoje, assim como assim, já nem a Duas Igrejas chega. Dir-se-ia que o nível de forretice se agravou, de modo muito substancial.
Aproveitam-na, à estação, as andorinhas, espantadas com aquela não esperada invasão, espreitando de um ninho a metro e meio do pavimento. Que alguém a aproveite, enfim. 
A seguir, uma saltada até à aldeia de Picote, para ver o seu velho e tradicional casario, bem como para nos chegarmos à Peinha de’l Puio, a juzante da barragem do Barrocal do Douro (Picote), onde o rio nos dá conta das voltas que a vida dá e que ele próprio teve de procurar, no seu caminho até ao longínquo Porto, para cumprimento do seu ciclo de vida. 
E, a cada passo, o nosso olhar a desviar-se para as coisas triviais que, em determinados enquadramentos, parecem assumir outra diversa dimensão e sentido.
Lada a lado com a natureza, a mão do homem, em apuros de ancestralidade e que ali estão, ainda operacionais, ajudando ao pão nosso de cada dia… 
Farei aqui um outro intervalo, este ligeiramente mais longo pois estou a caminho de CUCUJÃES (Oliveira de Azeméis), onde me espera mais um regabofe que não dispenso. Eu volto já…