O jornal Público cumpriu 20 anos. Parabéns a ele e a nós, pelo espaço de liberdade e pluralidade que ele representa.
Mas da leitura do seu número comemorativo, de 5 do corrente, para além de me ter entretido e cultivado com a diversidade de opiniões e imagens nele contidas, respigo dois apontamentos que, por razões diferenciadas, me titilaram ao pequeno-almoço:
1. Título de notícia: «Portugueses aceitam trabalhar mais por menos dinheiro» (pág. 8). Não sei que portugueses serão esses. Eu não sou um deles, de certeza. Mas de uma «sondagem» em que, para combater a presuntiva crise, se coloca como alternativas – entre outras de menor interesse – a) trabalhar mais tempo, b) reduzir salários, qualquer portuga, como qualquer cidadão do mundo tenderá a votar, lestamente, em a), sendo que a isso não se pode chamar alternativa.
Menos legítima será a conclusão – e como eu embirro com estas abrangências feitas a martelo – de que «os portugueses» etc., etc. Não! Apenas porque 28,5% dos poucos elementos abrangidos numa sondagem com questões condicionantes terá respondido afirmativamente a um quesito, isso não confere a ninguém a legitimidade de extrapolar uma abrangência que é, em meu entender, um insulto à inteligência de qualquer um.
Isto, para além de servir, objectivamente, para condicionar comportamentos ao leitor incauto, o que não será, seguramente, uma das nobres funções do jornalismo.
Cá fica à consideração de quem interesse.
2. Título de notícia: «Manuela Moura Guedes arrisca processos por difamação» (pág. 17) – Aqui a preocupação é outra. Vejamos: um cidadão é chamado a depor numa Comissão Parlamentar de Ética que se destina a apurar uma qualquer verdade no túnel de iniquidades em que o País está transformado.
Verdadeiras ou falsas, as suas declarações são matéria de análise e decorrente confrontação para a obtenção do tal apuro da verdade, por parte da Comissão Parlamentar.
Mas, entretanto, o ou os visados nas declarações – difundidas à tripa forra pelos meios de comunicação – vêm logo ameaçar com processos por difamação, exercendo, como me parece evidente, uma coacção directa sobre quantos mais venham a pronunciar-se sobre a mesma matéria em tal fórum.
Parecer-me-ia mais lógico, decente e democrático que esses visados exigissem, ao Parlamento, o exercício do contraditório. Mas não. Vai de lançar um pocesso judicial em cima, forma muito portuga de tramar a vida ao semelhante, face aos meandros processuais, despesas e tempo que irão implicar sobre o declarante.
Eu, se tivesse de lá ir falar, ou exigia audições à porta fechada ou uma extensão de imunidade parlamentar, caso contrário ficaria caladinho que nem rato…
Não será por estas e por outras que se fala do descrédito das instituições?