Posso imaginar-me a votar PS, em circunstâncias diversas. Assim como posso admitir votar noutras formações políticas, consoante as tais circunstâncias. Guardo o meu voto como uma preciosidade muito minha e inalienável, da qual disponho conforme os meus inalienáveis humores ou instintos.
Mas por tudo quanto defendi na vida ou nela balizei, não poderei votar Sócrates nas próximas eleições legislativas.
Tenho a certeza certa de que esta declaração de voto terá o alcance fenomenal que dista de mim a mim mesmo, não interessando obviamente ao concerto do mundo nem à cabeça de um alfinete. Mas, ainda assim, este é um espaço em que o exercício da liberdade é condição.

Nos últimos cinco anos, por força das políticas instaladas, agravaram-se, na minha opinião em dimensões sem paralelo desde o 25 de Abril, as dificuldades de acesso às pequenas grandes coisas que determinam o status de uma comunidade. E esse agravamento ocorreu nem sequer sob algum «manto diáfano da fantasia», mas sob a luz da mais crua realidade, a que o despudor reinante chama «socialista»…
Recorrendo às mais despudoradas e arrogantes atitudes, invocando com desfaçatez e sem escrúpulos o «bem de todos» a que, afinal, só alguns flagrantemente acedem, desenvolvendo uma postura autista e obstinada, de afrontamento a tudo e a todos, Sócrates e os seus acólitos conseguiram minar os alicerces de alguns pilares e traves mestras do bem-estar social: a saúde, a educação, a cultura e o trabalho (a ordem dos factores foi, nestes anos, arbitrária).
Conseguiu Sócrates, no mesmo volteio, abrir frentes múltiplas de confronto com inúmeras classes profissionais e sociais deste País… em arremedos pífios de rei-sol do universo, quando, afinal, é mera estrela cadente de televisões. E mordeu muita mão que lhe deu, com votos, a maioria absoluta, em anseios de uma esperança de redenção que ele traiu.
Com a oportunidade que o afastamento de Ferro Rodrigues lhe proporcionou, colheu, de braços abertos, o descontentamento promovido pelo abandono de Durão e pela insensatez de Santana e lavrou profundamente esse fértil campo em seu benefício e da sua comitiva, mantendo-se encostado, ao mesmo tempo, aos grandes interesses instalados.
O seu único inimigo, sério e consistente, contra quem assestou armas foi, como a realidade mostra, o povo que o elegeu.
Eu sei que, para além de pouco poéticos, estes comentários nada trazem de novo. Mas esmagado que me encontro ao peso de tanto guru do comentário, que denodadamente pretende condicionar a opinião pública, decido aqui arvorar-me em mais um, mesmo dizendo algo de muito pouco original, mas com o direito à opinião que é o meu.
Reflicto, assim, em desabafo aos quatro ventos, e resumo até onde me levou o assistir a tanta arbitrariedade, iniquidade e simulação.
Não será, pois, o papão da ameaça espúria de hipotéticas «maiorias de direita» – nunca houve, em Portugal pós-25 de Abril «maioria de direita» tão definitiva como a que temos, no presente – que me levará na conversa da treta do voto útil.
Aliás, tenho para mim que o próprio apelo a uma maioria absoluta denuncia uma vontade expressa de poder absoluto, o que, por si só, é a negação da democracia. A realidade está aí e não me deixa mentir.