Como sempre digo a quem faz o favor de me escutar, nada como um destinozinho cultural, ao fim do dia, para nos redimir das agruras e cinzentismo de dias medíocres. Então, em período eleitoral, estamos conversados!
Assim foi ontem, dia 22 de Setembro, celebrando o equinócio, rumando ao Museu Nacional de Arqueologia, em Belém, Lisboa, para assistir ao lançamento de mais um livro de cordel da Apenas Livros, desta feita da autoria do professor José d’Encarnação, e que dá pelo sugestivo título de Paisagens da Antiguidade.

Da ilustre mesa – que ainda há gente ilustre! – composta por José Cardim Ribeiro (apresentador da obra), Luís Raposo (anfitrião, director do Museu), José d’Encarnação (autor) e Fernanda Frazão (editora), ressaltaram desassombradas palavras sobre a necessidade de travar uma luta continuada e cada vez mais premente contra a despudorada e agressiva incultura que grassa nos dias de hoje.Sábias palavras proferidas por sábias pessoas dão-nos, de súbito, essa sensação reconfortante de que nem tudo é o deserto de ideias que enche espaços televisivos de parvoeiras balofas.

Tomei conhecimento da luta que vem sendo travada para manter o Museu de Arqueologia naquele espaço nobre, espaço que ficou a dever-se ao empenho de José Leite de Vasconcelos, em honra de quem, aliás, foi lançado, em simultâneo, o volume 26 (série IV) de O Arqueólogo Português, riquíssima publicação que comemora, exactamente o 150º Aniversário daquela notabilíssima figura da cultura de Portugal, dos séculos XIX e XX.
Fiquei, em simultâneo, a saber de outra faceta da coragem necessária para arrostar com os desvarios economicistas que nos esmagam o saber e, afinal, a identidade, enquanto povo. E senti orgulho por esses corajosos.

Das Paisagens da Antiguidade, escritas com a mestria também literária de José d’Encarnação, deixo-vos com esta lucerna iluminante:

Havia sombras bailando nas paredes, que bruxuleante era a chama. Espalhava-se pela estância um cheiro forte a azeite ardendo.

Discutia-se, quiçá, à boca da noite, a vindima por fazer, a fruta que medrava nos pomares, o granizo que tudo deitara a perder, a alegria do filho para vir…

Noite mais adiantada – o luar nem ousaria intrometer-se!… – seria discreta a lucerna que ensinara posições e acariciava, quente, a ternura dos amantes…

Assim.

Ontem como hoje. Ontem e hoje.

No fundo, vislumbrar o ser humano por trás de cada vestígio dele encontrado. Prescrutar-lhe a alma, através desses indícios. E esperar a chegada do amanhã mais iluminado. Que belíssimo fim de dia!