Um professor do Ensino oficial deve ter, como qualquer profissional, as suas competências. Neste caso, perfeitamente definidas e parametrizadas pela entidade para a qual presta serviço: o Ministério da Educação.

Uma e outra vez, ano após ano, a pesada máquina burocrática do Estado exigiu que cada professor declarasse as suas habilitações académicas para aceder a concurso de uma área lectiva específica e limitadíssima, em termos das tais habilitações literárias, condição sine qua non para garantir acesso à arte nobre de ensinar através dos malfadados concursos.

Com os tempos muito «modernos e tecnológicos», que assumiram algum fulgor com a Dona Manuela mas bateram forte com a Dona Maria, surgiram novas «lógicas» e preceitos que tudo subverteram, mandando às urtigas o edifício caótico que era o ME… para criarem outro tão caótico como este.

E começa a ouvir-se falar, com insistência suspeita, de polivalências.

Para promoverem a «polivalência» do pessoal docente – «polivalência» intimamente associada a conceitos (discutíveis) da mais estreita economia de meios e poupança de recursos, a que se chama abusivamente «racionalização», entenda-se… – passaram a promover algo que recorda um daqueles falsos silogismos que faziam as nossas delícias nas aulas de Filosofia: uma mesa tem pés, quem tem pés, tem dedos; quem tem dedos, tem unhas; ora, como quem tem unhas, toca guitarra, nada impede que uma mesa toque guitarra.

E eis os professores, mais ou menos titulares, transformados em guitarristas…

Não terão mesa, que as condições de trabalho são parcas, quando não porcas. Mas têm cátedra e, como é sabido, as cátedras também têm pernas, e quem tem pernas, tem pés, etc., etc.

Com uma oferta ilimitada de licenciados, sem destino nem futuro, a criar uma base amorfa e acrítica de carne para o canhão deste experimentalismo duvidoso, o futuro apresenta-se radioso para os mentores destas bizarrias.

Assim, a nova «lógica» tende a aproveitar os professores não através dos conhecimentos que os enformam, mas tão só pelo facto de serem… professores, prontos para todo o serviço, leccionando não em função das suas competências, mas sim em função das «apetências» de entidades mais ou menos oficiais, mas estranhas, no geral, ao ambiente da própria escola.

O modo abstruso como a sociedade portuguesa «evolui» também propicia o acomodamento quase diria sorna dos pais a este estado de coisas: descarregam-se os putos na escola, lá pelas oito da matina, o que dá tempo para uma bica antes de picar o ponto, e levanta-se o produto lá para as dezanove horitas, a tempo do telejornal e da telenovela. E até já trazem os TPC feitos!

Mas isto vai!… Daqui a uns anitos, qualquer professor do ensino básico público (e privado), em Portugal, fará inveja ao Leonardo da Vinci, com a gama de competências de que estará imbuído. Algumas de que o próprio Leonardo nem sonharia, como o de carpinteiro de toscos, pintor de paredes ou empregado da limpeza…

Também dificilmente se encontrarão baby-sitters mais qualificados e por tão baixo preço.

Espero bem – eu que vou entrando na idade – que esta filosofia vingue em estabelecimentos de ensino para a terceira idade. Vamos todos para a escola, que eles lá tomam conta de nós.Vejam lá o que vamos poder poupar em lares!