nota prévia – pela primeira vez, na existência deste blog, vai ser anunciada a concordância – ainda que circunstancial e muito relativa – com uma medida legislativa do actual governo, com explicação de porquês.
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Não, nunca fumei… Pelo menos, nada daquilo que possa chamar-se fumar. Experimentei, menino e moço, as (então) inevitáveis barbas de milho, percorri uma passagem fugaz por uns Kentuky, apaladei uns Provisórios e não me deixei convencer pelos Definitivos. Na boca ficava-me, invariavelmente, um travo amargo e seco e, na parca semanada, um rombo enorme.
No fundo, não achei especial pilhéria àquilo e não se me deu em fumar – do meu, claro, que cigarrito dos outros levo já uma vida de fumaças, ainda que sempre condescendente e certo de que, a ser vítima de cancro do pulmão, ficaria a devê-lo, em grande parte, a alguns dos meus melhores amigos. Muitos deles, lamentavelmente, padecendo já de insuficiências respiratórias mais ou menos crónicas.
Claro que, por outro lado, esta falta de vício me coarctou um mar de possibilidades, ao longo da vida, de meter conversa, activa ou passivamente, com toda a moçoila que pairasse ao alcance do olhar e sob a batuta do vício, consubstanciada nesse arquétipo da conversa de engate: “- A menina fuma?…” (entenda-se aqui “engate” na mais nobre acepção do relacionamento humano, claro…). Mas aprendi a viver com esse handycap, que terá, porventura até, suscitado outros desafios para originalidades na abordagem.
Quem não conhece aquele que, não fumador, não deixa de trazer consigo o indispensável Zippo, que esgrime com donaire sempre que incauta donzela desembainha, imprevidente e em público, o seu cilindrozinho com filtro? E então quando era com a caída-em-desuso boquilha…
Pior, ainda, o que se dá ao deslumbramento de ser portador de cigarreira munida de refinadíssima marca, facultando dessa forma o fornecimento completo – mecha e fogo – que propicie mais especiosos avanços, nem que para tal se sacrifique, ele próprio, a umas quantas inalações solidárias, dando-se ao chique requintado de apagar o seu fumante à terceira passa!
No fundo, no fundo, é esta invasão dos prazeres por parte da etiqueta que subverte, como tanta vez e em tanta circunstância, a fruição plena da coisa.
Por estas e por outras, por aquilo que sai dificultado no enredo da sedução, é que pode vir a ser funesta esta actual legislação anti-tabágica. Quanto ao mais, das bolsas privadas até à saúde pública, creio que ficamos todos a ganhar.
Factor, por último, não despiciendo: de todos os melhores e mais cuidadosos fumadores que conheço há um efeito colateral a que nenhum, invariavelmente, escapa e que é a também colateral poluição, não aérea esta, mas mais terrestre. Na verdade, para onde vai a tirazinha de papel quando se abre o maço? E, depois, a cinza? Mais tarde, a beata? E, por fim, o amachucado maço vazio? Para cima da bela, inocente e conspurcada calçada portuguesa, claro!
E aqui está um curioso efeito do tabaco, ainda não estudado pela ciência contemporânea: o fumador – e, repito, até o mais escrupuloso – não se dá conta da cagada que está a perpetrar. Terrível e assustador! (Vá lá, quem nunca pecou, pode desatar à pedrada…)
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notas finais – E é bom que se diga que, na concelebrada “naite” que faz as delícias de tantos, a minha relativa experiência mostra que, mais coisa, menos coisa, já estão a aparecer cartõezinhos azuis (de permissão de fumo) em muito mais sítios do que aquilo que seria imaginável. Nós temos sempre aquela extraordinária capacidade adaptativa que define os sobreviventes – mesmo que se trate aqui de propiciar a mortandade colectiva!…
Quanto ao dinheiro gasto, estamos conversados. Se, por um lado, cada um faz do seu o que muito bem lhe aprouver, certo é que está a meter uma bela maquia nos bolsos do Estado em cada maço adquirido. Maquia essa que, por imensa que seja, dificilmente sustenta os custos que, em termos de saúde, o Estado dispende com as maleitas provocadas pelo tabaco… O que é, convenhamos e salvo melhor opinião, uma redundância bastante irracional.