não
não é uma ficção
nem um ser alienígena
que criou um terminal à porta de algum indígena
fica ali
no meu portão
como louco emaranhado da era da comunicação
mijam-lhe os cães
trepam gatos
assiste a mais desacatos
de quantos a tevê dá
é apoio de paragem
do ónibus da carreira
e apoia a vadiagem que de tal poste se abeira
à espera do deus-dará

tronco de eucalipto velho escuro de tanto engelho
quando a noite fala baixo
olhando p’ra ele eu acho
que por ele sonso desliza
rua fora por vingança
tangido por leve brisa
cada segredo que passa por cada fio que lança
pelos céus da vizinhança…

e se lhe assenta qual luva que ao careca dá inveja
a sua farta cabeleira
até nos cobre da chuva
impede que o sol se veja
parece cruz…

sendo asneira!

– foto e poema de Jorge Castro

(Nota – Este poste encontra-se, de facto, bem à porta de minha casa e, como milhares e centenas de milhares por esse país fora, enche-nos o céu e as casas dessa imensa profusão de cabos. É mais uma dessas obscenas estéticas com que nos habituamos a viver e que emporcalham toda a veleidade atrquitectónica, ao pendurarem-se, tentaculares, nas paredes das casas. Manifestação desconchavada de terceiro-mundismo, pretendem alguns que seja ‘o preço a pagar’ por certa ideia de progresso. Mas não, deixemos-nos de lirismos desajustados! Trata-se apenas de fazer o servicinho pelo mais baixo preço, que a maralha, aparentemente sem revolta, não merece mais!)