É uma viagem que se recomenda. Em Lisboa ou em qualquer outro lugar: andar, sem horas, nem destino, parando sempre e quando nos salta ao caminho um improviso da jornada, a quem damos tempo, olhos e ouvidos, tantas vezes nos abismando com a nossa incomensurável ignorância.
Algumas vacinas se recomendam para a aventura: contra o lixo, o desmazelo, a bestialidade, o esquecimento e a ruína, contra a profanação ditada pelos interesses de alguns… Enfim, mente afeiçoada e corpo predisposto, é avançar no desconhecido.
Na Mouraria encontrei uma Fonte do Poeta. Pois não, não conhecia! Com palavras de António Botto gravadas na pedra para que o tempo seja mais clemente e não apresse inevitáveis esquecimentos:
De qualquer coisa que eu não sei ouvir
Matei agora mesmo a minha sede
E sentei-me ao pé dela a descansar
Não havia no ar mais do que a luz
Finíssima da tarde num adeus…
Uma luz moribunda e solitária
A despedir-se frágil pelos céus.
E à medida que a luz se diluía
Nas sombras que nasciam lentamente
A fonte no silêncio mais se ouvia
Mais límpida, mais pura e mais presente…
Anoiteceu. Ninguém. Só a voz dela
Só essa voz ao longe num desmaio
O timbre vivo e pálido de um grito
Levantei-me. Deixei-a. Tristemente
Acendeu-se uma estrela no infinito.
Ao lado, a fonte. Seca. Recheada com latas de cerveja vazias. Incoerentes e imbecis grafitis por moldura. Salvei-a, por momentos, das latas. Suprimi da foto a violência gratuita e imbecil dos grafitis.
António Botto por certo que sorria. Para quê o esforço? Amanhã é outro dia…