
quando vi nascer Abril
na madrugada brumosa
renasceu nele um país
terra doce cravo e rosa
à rua saiu a gente
na festa do homem novo
riso aberto – alma ardente
de saber porque se é povo
Lisboa acordou madura
naquela manhã-voragem
no seu olhar aventura
ao peito uma flor-coragem
varreu em crua ousadia
toda a podridão sem nome
que vivia da agonia
e se nutria da fome
mãos abertas se encontraram
nau de novas descobertas
mais de mil cravos floriram
mil rosas foram libertas
mãos de moldarem o aço
ou braços que a foice enforma
malhando bravo compasso
da vida em dura bigorna
este país de degredos
o mar voltou a abraçar
contra fados – contra medos
berço de novo embalar
e o trigo sobre as papoilas
rubras dourando a campina
faces loiras de moçoilas
que o sol liberto ilumina
renasceu em cada olhar
perdido num tempo aflito
a vontade de pintar
da cor da esperança esse grito
tudo parece distante
um delírio – um desvario
na solidão desistente
perdido de Abril o rio
um rio só da vontade
que foi mar como se viu
em marés da liberdade
das portas que Abril abriu
de tanto quanto perdemos
de angústia e de amargura
crescem-nos caminhos ermos
mas seremos quanto queremos
se partirmos à procura
desse Abril feito aventura.
Lisboa – Largo do Carmo – 24 de Abril – das 18h às 02h