ou de como estou tentado a reconsiderar
a abordagem a um velho provérbio,
que nos dizia:
“o que a natureza não dá, a escola não empresta”
A reverência tacanha e imbecilóide que, em Portugal, se manifesta relativamente às licenciaturas ou a quem as arvore como condição existencial de prerrogativa e privilégio, é uma espécie de constrangimento nacional que sempre me causou grande espanto e perplexidade.

Tenho, pela parte que me toca, o maior dos respeitos – esse sim próximo do reverencial, que assumo – por quem exerce o seu mister apoiado numa formação académica superior, que usa e usufrui como apoio sustentado da sua actividade, assim partilhando o saber de que se muniu.

Agora, o “canudo”, aquela coisa que se obtém após uns anos de marranço, com mais ou menos dificuldades económicas e que se sedimenta num diploma, com maior ou menor moldura, pendurado na parede, e que apenas serve para se ser tratado por “dótor” quando se é servido da bica matinal, ou por “eingenheiro” em entrevista num estádio de futebol… meus caros amigos, isso é uma treta.

Uma treta que, de alguma forma, nos sai cara, se pensarmos que cada licenciatura é paga, também, pelo erário público.

E é, afinal, neste país de desajustes onde temos grande, enormíssima carência de profissionais qualificados… mas mantemos, com luxo e desperdício, cerca de 55.000 licenciados no desemprego. Licenciados que tantas vezes são empurrados para uma formação que não anseiam, mas com a inevitabilidade argumentativa de que “quem não tem canudo não singra” e há, pois, que arranjar algum a todo o custo.

Isto vem depois a agravar-se tão só – para além de outros atavismos sociológicos que não virão ao caso – porque não há, em grande número de casos, relação de causa e efeito entre a licenciatura (e o currículo) que cada um obtém e a sua aplicação prática no mercado do trabalho.

Apenas por isso, também, a questão de José Sócrates se coloque com acuidade, mas sem grande interesse futuro: aparentemente nem interessa tanto saber se o homem foi ou não um aluno com aproveitamento; interessa menos ainda avaliar se ele exerceu bem ou não a actividade para a qual obteve a licenciatura, mais ou menos limpamente.

Interessa apenas saber se os procedimentos administrativos que referenciam essa licenciatura estão correctos ou não. A obra do homem é despicienda. No caso em apreço, creio que a obra será mesmo inexistente, o que continua a ser irrelevante!… E talvez isso, de facto, não interesse a ninguém. Mas ele obteve o tal “canudo” e essa é que é a matéria a discutir, pois quando foi a votos uma certeza todos temos: o homem era “eingenheiro“!!!

Tinha de o ser porque, em caso contrário, nem teria ido a votos. Se, a partir daí, se vier a descobrir que nunca passou de sapateiro, por exemplo, isso também não será muito grave. O que lá vai, lá vai. Interessa, isso sim, que foi eleito um “eingenheiro” e ficou assim salvaguardado o prestígio e o bom nome nacional!
E essa é que é a verdade – como punhos!
E o homem deixou-se assim eleger, calado como rato, com mil diabos!

E assim perseveramos, parolos e convencidos.

pós-de-escrita: “dótor” pode escrever-se, também, “sótor“; assim como o outro pode ser “einginheiro“. Ambos são títulos nobiliárquicos com alcance meramente lusófono e com especial predominância para utilização na oralidade.