um caracol dá em peixe
um chuvisco em trovoada
uma alforreca em desleixe
cruza as pernas na esplanada
um gato que não é cão
uiva e ladra aos quatro ventos
arengando até mais não
quando lhe afagam lamentos
o bacalhau do sustento
é peça de fino trato
e pelo mesmo espavento
vai o carapau do gato
o pelintra chico-esperto
com padrinho e de gamela
prédio a prédio é mais que certo
ter comenda e vida bela
ninguém dele fica seguro
de sequer valer um chavo
mas é cão – é mula – é duro
pantanoso é pato-bravo
rataria é já família
os porcos são bons dadores
cágados vão p’la mobília
tudo engenheiros – doutores
na urbe o cão proletário
vadiando o doce embalo
tropeça num dromedário
dando chutos no cavalo
pelo andar que isto leva
tenho por certo e sinistro
que bruto sem saber peva
irá de burro a ministro
p’ra tanto lhe bastará
ter padrinho e bom cangaço
fretes dando ao deus-dará
jeitinhos de torcer braço
nem se leve ao bicho a mal
tanta cruz tanta agonia
que frete a frete afinal
depressa lhe rende o dia
e tanto sapo engolido
sem irmos à desobriga
p’lo beijo do conto lido
cresce-nos rei na barriga
por tanto vamos vivendo
contentinhos que nem ratos
pouco temos nada tendo
neste quá-quá-quá de patos
na labuta quais formigas
na alegria tais cigarras
felizes estamos p’las migas
ao som quente das guitarras
e há ursos – há camelos
bezerros pelas touradas
crescem a todos os pêlos
mas em todos há peladas
e chocas são mais que muitas
bestas que o povo consente
sejam às riscas – às pintas
tudo vai p’lo inteligente
chatos – pulgas – carrapatos
sanguessugas e carraças
há que dar corda aos sapatos
e fugir deles… cu’mò caraças!
– versinhos de Jorge Castro