Ao poeta lhe compete
A reinvenção da esperança em cada dia que viva
Cantando ao mundo
A infinita
Harmoniosa
Diversidade criativa
Ainda que no seu canto se pressinta o desespero
Pelas campinas
Que se mancham de luto nos tempos da fome e da secura
Ao poeta lhe compete
O sacudir as grilhetas
Rompendo os muros
E as prisões do pensamento
Que amordaçam e entravam cada passo da jornada
Mas saber da existência de árvores nas nuvens
E das mulheres com cabelos de arco-íris
Que transportam o sonho nos seus ventres
Com a graça de intemporais deidades
Ao poeta lhe compete
Cantar o corpo
E a dor
E cada lamento de sofrimento que percebe
Nas mortes infinitas sem sentido
Mas saber ouvir o riso cristalino da alvorada
Na voz ainda feliz de uma criança
Como o cântico de rumorejante regato
Para então se alimentar das fontes eternas da sabedoria
Ao poeta lhe compete
Escarnecer
Das poses brutais de espavento
De oportunistas e néscios
Que entravam ao futuro o seu caminho
Uivar até se for preciso e ranger os dentes
Mas saber do abraço e do consolo
Das mãos que se oferecem quase todas
Quando mal sobra espaço e tempo para a dádiva
Ao poeta lhe compete
A denúncia do ódio até ao sangue
Para que o amor prevaleça
O eterno combate contra os gigantes do medo
Disfarçados de inocentes moinhos
Cujas pás trucidam o vento e as esperanças
Mas que o faça sempre por paixão
Àquela amada no regaço da qual anseia
Libertar por fim o seu cansaço
Ao poeta lhe compete
O cântico maior à vida
Aos afectos e aos amores
À tal réstia do universo
Que nós somos
Todos nós
Mas
Senhores
A esse de que vos falo lhe compete
Cantar a graça das flores
Sempre e ainda e outra vez
Ou então será truão
Bobo da corte talvez
Será padre
Sacristão
Tudo o mais que dele fizerem
Se jamais cantar as flores
Jamais será um poeta.
– Jorge Castro