Revista Prémio, de 24 de Dezembro de 2004, página 75, título do artigo da autoria de Nuno Abrantes Ferreira: “Procura-se Flexibilidade”.

– Fala-se aí de recursos humanos e da sua importância na competitividade das empresas portuguesas, noticiando um debate organizado, em 18 de Dezembro, pela Portuguese American Post Graduate Society (PAPS).

Tema em análise: mobilidade de trabalhadores e flexibilidade de leis laborais.

Dos oradores, vou destacar um, Rui Horta e Costa, administrador executivo da EDP que, a dado momento e conforme citação do autor do artigo, terá proferido as seguintes tremendíssimas e piramidais barbaridades:

– Os trabalhadores da EDP têm, em média, 22 anos de experiência dentro da empresa. Isto não é saudável, porque há 22 anos que estão sentados na mesma cadeira, a fazer a mesma coisa e a trabalhar com as mesmas pessoas”… Mais à frente, remata, em estocada digna de um cordobés polichinelo: “Os trabalhadores têm de ter alguma coisa a perder. Saber punir é muito mais difícil que saber premiar. E os portugueses têm que se habituar a ser despedidos quando os objectivos não são cumpridos”.

Como se dá o caso de este vosso humilde cetáceo ter algum conhecimento da realidade que aquele bacano refere, vou permitir-me comentar estas brilhantíssimas asserções, tentando não ser fastidioso:

1. As mais recentes administrações da EDP dividiram, nos últimos 12 anos, a EDP em para cima de uma centena de empresas. Questão óbvia que se coloca: como é que os trabalhadores conseguiram ficar todos “no mesmo sítio”, com tanta mudança?

2. Há 12 anos, com uma só empresa, havia cerca de 26.000 trabalhadores. Hoje, com aquela proliferação de empresas, restam apenas cerca de 8.000. A este estrondoso decréscimo correspondeu um não menos estrondoso e exponencial acréscimo de administradores. Então sempre houve alguma “movimentação”… As vantagens competitivas é que se diluíram na voragem dos chorudos vencimentos e prebendas de tanto gestor.

3. Diz o ilustre administrador que trabalhadores 22 anos sentados na mesma cadeira, a fazer a mesma coisa não é saudável… Como não deve estar a referir-se a problemas de hemorroidal, ainda assim, deverá admitir-se terem sido eles a criar e sustentar as mais-valias de que os actuais administradores usam e abusam a bel-prazer, bem mais preocupados em “engenharias financeiras” do que na busca e prossecução de objectivos que reforcem a produção das energias do futuro.

4. Não curou de explicar o sapientíssimo orador como é que ele, emérito gestor, permitiu – presuntivamente e a acreditar no dislate – que os trabalhadores da “sua” empresa tenham estado 22 anos a fazer a mesma coisa, trabalhando com as mesmas pessoas, ainda para mais, sentados na mesma cadeira! Cá para mim, parece-me que a culpa do imobilismo cai, direitinha, na cabeça do senhor gestor, que se revelou incapaz de gerir eficazmente e com outra criatividade o capital humano de que dispunha.

5. Deve então admitir-se que a receita preconizada pelo emeritíssimo gestor, a saber: habituar-se à ideia de ser despedido quando os objectivos não são cumpridos, cai por inteiro e com estrondo, sobre o toutiço do próprio. Espera-se, pois, alguma coerência…

Tudo isto é, pois, uma rematada aldrabice e um pavoneamento insultuoso para quem lhe anda a garantir o sustento. Conheço, de perto, vários casos de trabalhadores daquela empresa que, após uma vida de trabalho a percorrerem inúmeras e diversificadas áreas departamentais – e a mais não acederam por entraves dos gestores deste calibre – que, apesar de avaliações de desempenho muito acima da média, nesses tais vinte e tal anos nunca saíram, profissionalmente falando, da cepa-torta, nalguns casos ouvindo até o argumento canalha da “instabilidade emocional”. Tal foi a recompensa por corresponderem à decantada mobilidade.

Muito mais haveria a dizer, que isto é um mar de disparates. Fiquemo-nos, tão só, com o lamento de que, com tal apetência para a punição e para a vergasta, se estará perdendo em Horta e Costa uma vocação para as galés. Por caridade, diga alguém àquela alma que já não há galés e, assim sendo, ainda acabará os seus dias a chibatear-se a si próprio!

Como último elemento de reflexão e a propósito de competitividade, uma questão que me aflige: Como é que a EDP pode vender hoje, em Espanha, a electricidade a um preço substancialmente mais baixo que em Portugal? Será à custa de não substituir as cadeiras dos seus trabalhadores?