(Morrem-nos os poetas e querem matar-nos a esperança. Tarjam-nos de negro as bandeiras ainda há pouco hasteadas na alegria. Há um tempo para o riso e outro para o luto. Mas há sempre, também, um tempo e um espaço para lutar contra a adversidade…)

Portugal já não é um país de marinheiros

Perdemo-nos do mar e habitamos este chão que arde

Braseiro feito dos nossos sonhos calcinados

Os velhos madeiros das caravelas

São restos de carvão enegrecido

Cinzas lançadas às quatro partidas da terra

Em lugares feitos de mágoa e desalento

Onde o espectro de um sonho ou de um anseio

Por trás do fumo acre

Negro e denso

Se confunde com a máscara da morte

Portugal já muito pouco tem de pátria

Vai-lhe sobrando em volutas de fumaça

O que lhe falta de chão e de horizontes

Consumidos nos braseiros impossíveis

Da corja que se alimenta de si mesma

Portugal já nem pátria é

É um cadinho

Onde se depositam os restos enegrecidos

De tantos destinos esquecidos de cumprir

É um armazém sem guarda nem guarida

De onde se saqueia impunemente

O brio

A dignidade e a honra

Palavras antigas e insensatas

Como rabos de lagartos decepados

Estrebuchando cegos em simulacros de vida

O amor e a saudade

Já se esgotaram em todas as prateleiras

Arrematados em promoção frenética e estival

Por quem comprasse para si um par de algemas

Porém

Se assim quiseres

Poderás ainda ao longe ouvir o mar

E cruzam nuvens no céu como sementes

Há bandos de aves que a nós se afeiçoando

Vão ensinando quais os caminhos do vento

E na cegueira em que vogamos

Mal perdidos

Párias bisonhos

Vagabundos de nós mesmos

Talvez haja algum lugar para a alvorada

Que afinal

Cada manhã

Ainda desponta.

– Jorge Castro