De um elo da corrente amiga e solidária que tenho o prazer de ver entrar na minha caixa de correio, recebi a transcrição parcial de um artigo recente do Público, da arqueóloga Faiza Hayt, que faço questão de partilhar:

Quem faz por paixão o que lhe calhou por ofício nunca envelhece. A paixão combate a corrosão do tempo

“Há dias num autocarro, ouvi duas mulheres, na casa dos quarenta, a conversarem sobre o futuro. Ambas ambicionavam o mesmo: a reforma. ‘E depois de te reformares o que vais fazer? – perguntou a primeira; a segunda encolheu os ombros magros – Nada!’ disse, e havia no abandono com que o disse um tal vazio, tanto tédio futuro, que ainda agora, sempre que me lembro estremeço de puro horror.

Sim, eu sei que para se aproximarem do nada os monges budistas consomem uma vida inteira de esforço e de meditação. O nada, se for levado a sério, dá um trabalho danado. Também sei que há vazios esplendorosos. Basta pensar, por exemplo, no silêncio estrelado de uma noite de Verão, no deserto. O nada que aquela mulher ambicionava, porém, era o nada da morte. O mesmo nada a que uma abóbora, apodrecendo ao sol, haveria de nomear se acaso a interrogassem ‘O que fazes amanhã? Amanhã? Outra vez nada!’

(…) Ao contrário daquelas duas mulheres, quando penso no futuro imagino-me a trabalhar. Quero fazer tudo. Não odeio as manhãs das segundas feiras. Não conto os meses que faltam para ter férias. Sinto-me em férias, isto é, experimento a vertigem da liberdade, de todas as vezes que a minha profissão (sou arqueóloga) me leva algures, a um deserto, a uma cidade milenar, à descoberta de vozes remotas

Não são as rugas ou os cabelos brancos, nem sequer o cansaço físico, que anunciam, ou denunciam, a velhice. Um sujeito sem qualquer tipo de curiosidade, sem ideais, cínico, quezilento, sofrendo de cansaço antecipado nas manhãs de segunda feira – eis um velho. Há muitos cremes, muitas poções mágicas, destinadas a combater as rugas. Em nenhum lugar, porém se vende um xarope para curar o cinismo.

Eu cuido muito bem dos meus cabelos brancos. Penso em cada um deles como representando um projecto que gostaria de cumprir. Quanto mais os anos passam mais projectos me animam. Só peço a Deus que me salve da reforma.”