Borlas nunca mais – artigo de Miguel Esteves Cardoso, no Público

Tive conhecimento deste artigo, da autoria de Miguel Esteves Cardoso, cujo conteúdo tem sido o cerne de muita e brava discussão sobre esta mania «institucionalizada» de que as actividades do foro cultural devem ou podem ser gratuitas, ou melhor, à borla.

Dinheiro para o foguetório há sempre. Para a cultura… enfim, é ler o artigo abaixo, que, também com a devida vénia, subscrevo integralmente:

Todos os dias chegam convites para borlas. Para escrever à borla. Para falar à borla. Para ser filmado à borla. Para ser gravado à borla. Não há dinheiro, dizem. Já se sabe como é, explicam. É só por isso que pedem borlas. Se pudessem, adiantam, pagariam o que eles acham que nós merecemos: é muito.
As pessoas que pedem borlas não trabalham à borla. Recebem dinheiro, têm ordenados, arriscam lucros. Custa-lhes muito pedir que trabalhemos de borla — porque eles não.
Há quem trabalhe de borla num projecto pelo qual está apaixonado e espera que nós, apesar de os projectos não serem nossos e de nós não estarmos apaixonados por eles, trabalhemos de borla — na esperança de que também nos apaixonemos por ela. Pois sim.
Até há quem acredite que nos está a fazer um favor, achando que a borla que nos pede é uma maneira de participarmos: uma oportunidade de melhorarmos a (má) “imagem pública” que temos.
Os piores são os excepcionais. Mandam mails a dizer que sabem que detestamos borlas mas que o convite deles é diferente, por ser tão fascinante. E depois pedem uma borla como todos os borlistas desde que a ideia de o trabalho ser pago foi inventada.
Será que a palavra convidar perdeu os sentidos? Convidar é o contrário de pedir trabalho. Convidar é aliciar para o ócio e para o prazer. Se o convite envolve despesas (ir a um restaurante) é quem convida quem paga. Agora já é o convidado.
Os borlistas são piores do que bullies: são os novos esclavagistas.

Portugal sob viroses…

Hoje, por elementar direito à preguiça, não publico nada no Sete Mares. Mas remeto quem tiver paciência para tanto para a leitura do meu artigo com este mesmo título no blog PersuAcção, no qual colaboro… com o maior gosto, diga-se. Basta «clicar» no nome…

dos jornais:
crianças portuguesas punidas por falarem português em creches e ATL do Luxemburgo

E, ainda: «Foi-nos dito que não podíamos falar português com os miúdos e que eles também não podiam falar português entre eles, é uma regra da casa”, diz uma funcionária portuguesa de um estabelecimento público em Esch-sur-Alzette. (ver artigo completo aqui).
Segundo esta notícia, a circunstância decorre do facto de, no Luxemburgo, se admitir apenas o diálogo em seres viventes e pensantes em francês, alemão ou luxemburguês. 
Eu sei que a soberania dos países é uma coisa muito bonita. Eu também sei que uma comunidade como a portuguesa num país imenso como é o Luxemburgo é uma coisa-pouca e que ninguém convidou os lusitanos a emigrarem para lá, mas quem manda lá para aquelas bandas não considerará esta medida assim a modos que fascistóide? 
Que diabos, ainda por cima é só a quinta língua mais falada no mundo, o que devia até alegrá-los pelo cosmopolitismo qualificado. 
Podemos imaginar-nos a proibir, por exemplo, falar crioulo aos nossos residentes cabo-verdianos (já tantos deles até com nacionalidade portuguesa, como porventura ocorrerá, mutatis mutandis, aos nossos emigrantes no Luxemburgo)? 
Ou, mesmo, exigir a um luxemburguês em gozo de férias no território português que fale a nossa língua sob pena de o deixarmos morrer à fome e dormindo na rua…?
Se a exigência se reflectisse no imperativo de falar com um luxemburguês na língua do Luxemburgo, ainda se perceberia. Mas as crianças entre si… Em boa verdade se verifica: a estupidez campeia!
E, nos corredores do (nosso) poder, ninguém vem a terreiro pronunciar-se sobre estes direitos?

postais de férias (3)

Carcavelos é a minha praia. Não no sentido figurado em que a expressão tem vindo a ser utilizada, mas no sentido literal. Dois ou três quilómetros de distância é quanto preciso de percorrer para desfrutar do melhor areal do concelho de Cascais, pelo que não posso deixar de me sentir um privilegiado. 
E quando me esqueço de tal, lá vem o IMI a lembrar-mo. Não que as demais infraestruturas sejam de espavento. Na verdade há mais e melhor por esse país fora. Também não tenho graaaandes razões de queixa… mas o que é verdade é que esta magnífica proximidade ao mar nos traz outras ânsias de navegar.
Como é evidente, não sou eu o único a ter essa opinião e por isso, desde inícios de Julho até meados de Agosto é ver a imensidão de «romagens» de autocarros carregados de criancinhas vestidas ora de amarelo, ora de verde, ora de vermelho, etc., enxameando a praia, sob o olhar tutelar de meia-dúzia de jovens, e provenientes de tudo quanto é localidade da Grande Lisboa. 
Não sei se a autarquia colhe algum benefício com o imenso negócio instalado, mas o certo é que eu , munícipe pagador de IMI de zona privilegiada, passei a ter a minha qualidade de vida balnear algo perturbada por esta circunstância.  
Enfim, malhas que o império tece, direi, tal como entretece na praia, pelo menos desde Janeiro do corrente ano, incontável maquinaria pesada, os seus rodados na areia.
Deve ser para meu bem, claro, que eu, nestas coisas, acredito sempre que há-de haver alguém, algures, a zelar pelos meus interesses, mesmo que eu não saiba quais eles sejam. Mas a verdade é que mais me parece que algum estaleiro de construção civil enviou para ali os seus aprendizes de condução de escavadoras, bulldozers e outros machimbombos, para melhoria de práticas, acartar toneladas de areia de um lado para o outro, sem objectivo aparente, todos os dias de todo o ano.
Ele é um afã, uma correria, um labor de abelha-formiga, de um lado para o outro, sem que eu, do alto da minha ignominosa ignorância, consiga perceber qual o objectivo da coisa, para além do dispêndio óbvio de rios de dinheiro… que devem ser públicos, digo eu. 
Cuidei que fosse apenas durante o inverno e primavera, para preparar a bela praia para o verão e para os veraneantes. Mas não. Continua verão fora e já estamos em meados de Setembro, numa arquitectura na areia que é coisa de pasmar.
Mas é uma chatice, porque esmagam as conchinhas todas que a maré-cheia nos traz e com que tantos de nós se entretêm, nas suas passeatas areal fora, a colher. Talvez compensar com outra máquina, atrás, a atirar conchinhas inteiras para o areal. Aqui fica, à consideração superior… 
Entretanto, o mar que é, seguramente, uma força de bloqueio, todos os dias subverte estes arranjos desarranjados no areal. É uma impertinência! E, então, quando chegam as marés vivas, nem vos conto! O que vale é que lá estão as máquinas, no dia seguinte, a providenciar novo restauro.
Eu julgava que – tirando as estultícias da construção civil à balda – as praias tinham uma «respiração» própria, umas vezes com mais areia e outras menos. Mas, pelos vistos, não, há que redistribuir o jogo em cada dia que passa, e dir-se-ia neste caso, com toda a propriedade, contra ventos e marés… 

Também deixei de perceber a política de colocação dos caixotes do lixo para educação e benefício dos utentes e que estão sempre a várias centenas de metros dos locais onde apanham sol esses mesmos utentes, no areal escaldante (ver as setas a vermelho, na imagem acima – eh, pá, nem te vejo…), quando eles e eu precisamos de vazar o entulho particular. E nem sequer estão próximos dos locais de acesso à praia, pelo que devem inserir-se numa campanha apoiada pelas tais entidades superiores no sentido de promoverem o exercício físico junto da população – o que, a ser assim, acho pois muito bem.
A mim, então, que me incomoda sobremaneira o mínimo vidro partido, qualquer que seja o areal, e que recolho afanosamente, a bem do meu pé desprotegido e do do camarada concidadão incauto, vejo-me aflito para despejar todos os fragmentos que encontro – vá lá saber-se se não porfiadamente esmagados pela maquinaria pesada que se referiu – e desgasto-me num corre-corre aos sacos de lixo, o que me deixa esfalfado e de pés a arder. Podia guardá-los no bolso do fato de banho… mas sempre seria um risco acrescido.
O que vale é que descobri que também passam levas sucessivas de jovens, com redes e luvas e tudo e, até, funcionários da câmara, sistematicamente ao longo da praia, a apanhar o lixo que os utentes e o mar nos vão trazendo.  
Agora já sei: quando apanho um daqueles vidrinhos, em vez de me esfalfar e escaldar até aos caixotes do lixo, colecciono-os na minha toalha e entrego a recolecção aos limpadores da praia, quando algum passa por mim, o que acontece amiúde, e muito mais próximo do que os caixotes do lixo. Isto, sim, é um trabalho limpo e até ajudo os moços a apresentarem serviço…  
Enfim, para que não se diga que estou só no bota-abaixo, aqui fica uma sugestão colhida junto do senhor dom infante Henrique: e que tal dedicarmo-nos todos à pesca? Realmente, ali sempre a olhar para o rio…
– fotografias de Jorge Castro