As imagens que retinha, mantêm-se e com mais arranjo e limpeza. O xisto e o granito, empilhados pedra a pedra, ou ordenados nas calçadas centenárias, num grito contrastado pela cal e aquele azul intenso do céu alentejano…
A cada esquina um recanto, uma paisagem que espreita pelo apertado das ruelas. Aqui a dificuldade é não nos deixarmos cair na tentação fácil do mero postal ilustrado… Mas devemos agradecer aos deuses das coisas pequenas o já não estarmos limitados aos rolos de 36 fotografias, ou estaríamos em maus lençóis com o orçamento de férias.
Calcorreando as ruas da vila, para além do património edificado, ressalta a limpeza, preocupação constante das gentes alentejanas, e o seu afã diário em manter o espaço respectivo, na frente de cada casa, sem réstia de pó que seja…

Aqui e ali, os pormenores arquitectónicos decorativos, transmitem-nos uma sensação…

… intensa de que os objectos são entendidos como uma extensão de vivências humanas, muito para além, portanto, da sua funcionalidade imediata, pelo que há que lhes transmitir cor e forma, que melhor os afeiçoem.
A inevitável subida ao castelo revela-nos, uma outra vez e em visão mais alargada, de edifícios e horizontes, a que os líquenes conferem certificado de autenticidade.
Dentro do castelo, uma original arena centenária, palco de outras contendas entre homens e bichos, que vêm de longe mas, aparentemente, se exceptuarmos o limite mínimo da sobrevivência, nunca terão sido muito conclusivas…
De novo, a vila. Outra rua, outros encantos, outra oportrunidade para meter conversa e tentar apurar o porquê de algumas coisas, nem que seja para se ouvir um diz-que-disse, mas sempre temperado pelo sabor (e pelo saber) do linguajar local.
Depois da breve troca de palavras, certificando, ao de leve, que a vila é mais do que as pedras e o barro, o encaminhar-se cada um para o destino que vai traçando, com os amparos que lhe couberam em sorte…
Enfim, o repasto. A oferta é imensa, muito diferente do que ocorria quando, há mais de vinte anos, visitei Monsaraz.
E com tais manjares, porque não abrir mão do pormenor e deixarmo-nos cair na tal tentação do postal ilustrado, agora que não está ninguém a ver?
À cata do artesanato, tão genuíno quanto possível, espanto-me – sempre esta palermice de me espantar com coisas óbvias – com o facto daquele que me pareceu ser o melhor estabelecimento aberto ao público, para essa área, ser dirigido por uma senhora holandesa, de seu nome Mizette Nielsen, residente em Portugal desde 1960. Afável, simpática, bem humorada, disponível para explicar o porquê das coisas, desde uma manta tradicional à qual um novo design transformou em moderna capa, até às dedeiras de cana com que as ceifeiras protegiam os dedos: «- Sabe, agora isto já não é preciso, portanto há pouco quem as faça…».
À porta do estabelecimento, um olhar cheio de condescendências perante os citadinos de um outro habitante, descansando ao abrigo do Sol inclemente das duas da tarde…
Com o rio Guadiana por perto e a edificação da barragem do Alqueva, esta região pode ter ganho outros motivos de interesse.
Antes da partida, uma rápida visita, em romagem, a alguns monumentos megalíticos em que aquela área é fértil – 150 vestígios do megalitismo rodeiam Monsaraz – testemunhos que (se desejaria) perenes de uma ocupação de vários milénios, contrariando esse conceito limitativo de que a nossa História começou nos Afonsinos, há apenas oitocentos e tal anos, quando há tantas e tantas marcas de uma ancestralidade que, a contar-se, leva já para cima de várias dezenas de milhares de anos.
