Já as cantei, em pequenote, por terras transmontanas, na mira de gulodices raras ao tempo e pelo gozo de combater o frio da geada, entoando, em alta grita, cantorias em louvor dos vizinhos. Hoje, dizem-mas oriundas das Saturnais romanas, ou evocatórias do deus Jano, o porteiro do céu, deus dos começos, dos inícios e das entradas, sendo invocado para afastar espíritos funestos no início de cada ano… Em calhando, ainda vêm mais de trás, de festejos pagãos do solstício, para bons augúrios do novo ano, com boas colheitas e poucas ou nenhumas contrariedades.

Não vá o diabo tecê-las e porque nunca cheguei a crescer muito, cá vos deixo o meu canto, para esconjurar os maus espíritos que por aí nos assolam…

Mote
‘inda agora aqui cheguei
pus o pé nesta escada
logo o meu coração disse
que aqui mora gente honrada

Glosa
‘inda agora aqui cheguei
fora da hora aprazada
era de noite e julguei
ser melhor p’rà caminhada

fugi do frio da noite
pus o pé nesta escada
que não há já quem se afoite
no negrume da geada

nem foi coisa que se visse
ou de monta a empreitada
logo o meu coração disse
que o passo se faz estrada

bati à porta e entrei
vida e alma iniciada
quero crer no que não sei
que aqui mora gente honrada

que aqui mora gente honrada
a vida mo há-de mostrar
que não se toma por dada
a verdade por achar

porque me fiz ao caminho
logo o meu coração disse
faz-se de penas o ninho
ao mais alto que subisse

a subir foi a jornada
de trabalhos feito o dia
pus o pé nesta escada
nos degraus da invernia

mas tudo valeu a pena
por viver o que sonhei
não tive a alma pequena
‘inda agora aqui cheguei.

(Desenvolvimento em quadras sobre mote popular)

– Jorge Castro

Última hora: Francis Obikwelu foi eleito, pela Associação Europeia de Atletismo, o melhor atleta europeu do ano.
Com todo o aplauso e reconhecimento pelo mérito do atleta e do ser humano que é Francis Obikwelu, porque é que não consigo evitar uma homérica gargalhada perante esta hipocrisia institucional? Ao menos, afro-europeu. Ou não?…